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Marechal Pétain perde a última rua com seu nome na França

Marechal Pétain perde a última rua com seu nome na França

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:59

O conselho municipal desta cidade da França, à beira da Floresta de Ardennes, decidiu recentemente alterar um terço dos nomes de ruas da vila.

Tremblois possui apenas três ruas, com os nomes de três heróis franceses da Primeira Guerra Mundial: os marechais Ferdinand Foch, Joseph Joffre e Philippe Pétain.

O problema é que Pétain teve um segundo ato como chefe de estado durante a Segunda Guerra, quando sua administração na parte não-ocupada do país, conhecida como França de Vichy, colaborou com a Alemanha Nazista em eliminar seus inimigos, principalmente os judeus.

Assim, sob pressão do governo nacional, de veteranos e de grupos judeus, o conselho votou unanimemente para retirar o nome de Pétain de uma pequena rua, com cerca de 183 metros de comprimento, alterando seu nome para "Rue de La Belle-Croix", nome de uma capela situada numa mata ao final da rua.     Depois da Primeira Guerra Mundial, praticamente todas as cidades da França tinham uma rua ou avenida Pétain. Sua fama era tão grande que mais de dez cidades e distritos nos Estados Unidos também tinham ruas com seu nome.

Mas, quando as placas daqui forem trocadas, em janeiro, a última rua da França trazendo seu nome terá desaparecido. Nem todos estão felizes com a decisão.

"Isso é ridículo", disse Laurent Joste, de 27 anos, um mecânico da Bélgica que mora na vila há três anos. "Claramente, ele foi um traidor na Segunda Guerra; mas isso aconteceu décadas atrás. Não é bom pensar dessa forma."

A Primeira Guerra deixou profundas marcas na vila, situada entre os campos de extermínio de 1914-18, perto da fronteira belga. Não muito longe daqui, fica Verdun, onde exércitos se enfrentaram por anos em uma das piores batalhas da guerra. Foi aqui, entre o Rio Marne e a cordilheira de "Chemin des Dames", que a matança de tropas francesas em 1917 incitou motins só interrompidos pelas mãos calmas, porém firmes, dos marechais Foch e Pétain.

Tremblois foi aplanada por bombardeios, exceto por algumas casas e a igreja. Um monumento aos mortos de guerra - uma estátua de um soldado francês em cores vivas - traz os nomes de 15 moradores da vila, cerca de 15% da população naquela época.

Em comparação, a Segunda Guerra deixou a vila relativamente intacta. Para Jean Ponsart, que tinha 13 anos em 1945, a principal lembrança é da interminável coluna de caminhões e tanques americanos rugindo pela Rue Foch, a rua principal, parando aqui e ali por precaução _ mas por tempo suficiente para distribuir doces às crianças da vila.

Sua casa exibe a única sinalização da Rua Pétain (as placas de ruas na França são frequentemente colocadas nas laterais das casas), e ele diz não ter problemas com isso. Ele se opôs a uma proposta para trocar o nome da rua para Rue Charles de Gaulle, o líder da resistência francesa na Segunda Guerra e presidente no pós-guerra. "Se for para escolher entre Pétain e de Gaulle", disse ele, "que seja Pétain".

A comoção em torno da Rue Pétain começou no ano passado, quando um jornalista local descobriu a rua e escreveu diversos artigos para seu jornal. Na ocasião, duas outras cidades no norte da França tinham ruas chamadas Pétain, além do retrato dele pendurado na prefeitura de uma terceira cidade, no oeste do país. Sob pressão pública, as outras ruas tiveram os nomes alterados e uma corte ordenou a retirada do quadro com o retrato. Tremblois continuou como o último refúgio do marechal.

"Foi escandaloso", contou o jornalista Guillaume Levy. "Me encontrei com o prefeito. Houve reações diversas; os argumentos não eram políticos."

Primeiro havia a eterna imagem de Pétain como "o conquistador de Verdun", o homem que venceu a Primeira Guerra Mundial para os franceses, disse Levy por telefone. Depois, havia também a inconveniência. "Conversei com o dono da casa onde estava a placa", continuou ele. "Ele disse o quanto isso custaria, e que o carteiro não saberia onde entregar as cartas."

"Em seguida", disse ele, "tudo ficou polêmico".     Em parte, era uma cidade contra o país. O prefeito da cidade, Jean-Pol Oury, mostra aos visitantes as cartas de ódio que recebeu, incluindo ameaças, por manter o nome de Pétain. Oury, de 56 anos, que administra uma empresa de relações públicas quando não está cuidando dos assuntos de Tremblois, disse ter feito uma pesquisa entre os 114 moradores. "A maioria disse: 'Isso não me incomoda'", explicou ele.

Ainda assim, os artigos de Levy chamaram a atenção de grupos judeus, organizações representando sobreviventes de guerra e pessoas que foram deportadas, durante a Segunda Guerra, pelo governo de Pétain e pelos alemães que ocuparam o restante da França. Finalmente, Oury se encontrou com os nove membros do conselho da cidade.

"Expliquei a situação, que éramos a última cidade com uma rua chamada Petain", contou ele. "Eu disse que duas outras cidades haviam acabado de alterar os nomes das ruas. Eu disse que eram eles que deveriam decidir". Todos os nove votaram por alterar o nome.

Muitos historiadores enxergam Pétain mais como "facilitador" dos nazistas do que como instigador de seus projetos, embora essa visão tenha sido manchada pela descoberta, no ano passado, de documentos sugerindo que ele teria participado ativamente da criação das leis antissemitas do governo de Vichy.

Os historiadores há tempos o culpam por não abandonar os nazistas quando suas políticas de exterminação de judeus ficaram claras. Num julgamento pós-guerra, ele foi condenado à morte por traição, mas de Gaulle alterou a sentença para prisão perpétua. Em 1921, de Gaulle, um grande admirador de Pétain, o homenageou colocando o nome Philippe em seu primeiro filho.

Ainda há, na França, os que defendem Pétain.

"Em 1940, como o governo não conseguia agir diante do caos, o primeiro que surgiu entre o povo e os políticos foi Pétain", disse Hubert Massol, presidente da Associação para a Defesa da Memória do Marechal Pétain, fundada logo após a guerra pelos maiores apoiadores do marechal. "Então, todos os erros foram jogados sobre ele". Sem a intervenção de Pétain, segundo Massol, "ninguém, nem mesmo os judeus, teria sido poupado".

Em Tremblois, algumas pessoas estão aliviadas com a mudança, mesmo que o nome nunca as tivesse incomodado. Marie Stutzmann, de 46 anos, se mudou da Alsácia com seus pais há 40 anos, para uma casa de esquina na Rue Petain. Amigos e conhecidos invariavelmente reagiam quando ela lhes dizia o endereço. "Isso não me incomoda", explicou ela, "mas todos levantavam as sobrancelhas".

Celine Grulet, de 41 anos, que trabalha na grande fábrica de chocolates Ferrero, passando a fronteira da Bélgica, disse: "Estou feliz com a mudança. Especialmente pelo que aconteceu depois de 1940". Durante anos, ela sofreu com o nome. "Mas, disse a mim mesma: 'O que posso fazer?'"

Oury cita o presidente Nicolas Sarkozy. "Sarkozy sempre diz, com relação aos alemães: 'Não esqueçam, mas perdoem'. Por que não com Pétain?"    

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