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Ortega lembra origens para impulsionar campanha na Nicarágua

Ortega lembra origens para impulsionar campanha na Nicarágua

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:55

Entre os retratos de Augusto Sandino, o herói guerrilheiro mais reverenciado da Nicarágua, em seu famoso chapéu Stetson, em uma exposição no Banco Central do país, está um incomum mapa genealógico que o liga a outra figura importante no país: o presidente Daniel Ortega.

Seus nomes são os únicos em destaque, em vermelho, como as duas únicas frutas penduradas na árvore da família Sandino. A imagem de Ortega, que se casou com uma mulher da linhagem de Sandino, está cada vez mais ligada a monumentos do passado revolucionário dessa nação.     Na capital Manágua, um novo museu dedicado à revolução sandinista, que derrubou a ditadura de Somoza em 1979, coloca Ortega em todos os frontes da guerra que se seguiu contra os "contras" (grupos voltados aos Estados Unidos). No norte da cidade, o Museu da Revolução também apresenta um novo santuário em homenagem a Ortega.

E tem havido ampla especulação de que, em 21 de fevereiro, aniversário da morte de Sandino, Ortega possa anunciar oficialmente a sua campanha de reeleição. A Suprema Corte controlada pelos sandinistas deu-lhe sinal verde para concorrer novamente, reinterpretando uma proibição constitucional contra mandatos consecutivos.

A eleição acontece apenas em novembro, mas Ortega e seu partido parecem ansiosos para reforçar suas chances incorporando o candidato na memória revolucionária do país e tocando no ethos de guerrilha dessa nação.

Restos mortais

Além de divulgar seus vínculos familiares com Sandino, o partido publicou cartazes de Ortega ao lado do ícone nicaraguense e está revivendo uma caçada aos restos mortais do herói, perdidos há mais de 77 anos.

Ao contrário de seu companheiro e líder revolucionário Che Guevara, cujo corpo exumado – menos as mãos decepadas – foi enterrado em um mausoléu em Cuba (apesar de alguns questionarem a autenticidade do cadáver), não há túmulo para Sandino, que liderou forças rebeldes contra a militares americanos no país durante os anos 20 e 30.

Enquanto seu adversário, o general Anastasio Somoza Garcia, tentava retratá-lo como um bandido cruel, Sandino foi nomeado herói nacional por unanimidade por um Congresso entrincheirado em uma crise política a respeito da intenção de Ortega em se reeleger pouco mais de um ano atrás.

Os fundadores da Frente Sandinista de Libertação Nacional usam os escritos de Sandino e batizaram seu movimento em homenagem a ele. A linhagem de Sandino, seus restos mortais, seu chapéu, suas botas e seus escritos, rabiscados enquanto ele fugia dos fuzileiros americanos, continuam a ajudar a moldar uma identidade nacional.     Mas os detalhes do seu assassinato e do que foi feito de seus restos mortais estão entre os mistérios mais duradouros da Nicarágua. A tradição sandinista diz que os assassinos de Somoza vingativamente decapitaram e desmembraram Sandino usando o mesmo método adotado pelos generais rebeldes para mutilar seus inimigos. Eles, então, supostamente entregaram a sua cabeça a Washington como um sinal de lealdade - pelo menos é o que diz a lenda.

Alguns historiadores suspeitam que o legado de Sandino era uma preocupação tão grande para Somoza, que o rebelde foi enterrado ou incinerado, e suas cinzas, dispersas em Manágua para que seus restos mortais nunca caíssem nas mãos de seus partidários. "Eu não acredito que possamos encontrá-lo", disse Sergio Ramirez, autor sandinista e ex-vice-presidente de Ortega.

Como muitas outras grandes figuras da revolução, Ramirez desde então se desentendeu com o partido cada vez mais centrado em Ortega. Mas ele disse que durante a década de 80, quando estava no governo, contratou um arqueólogo para liderar uma escavação infrutífera em Manágua em busca dos restos de Sandino. "É um capítulo encerrado", disse ele.

Mas não para Ortega, que em 2007 se comprometeu a criar um esquadrão de busca para encontrar Sandino. Pessoas próximas ao governo e um historiador disseram que os sandinistas recentemente enviaram funcionários de água e esgoto para investigar uma dica de um amigo dos guardas mais próximos de Somoza. Ele sugeriu que os restos de Sandino foram enterrados no que é hoje um bairro de Manágua.

Outra dica recentes levou o partido a pedir que funcionários de um cemitério usassem um scanner sobre os túmulos dos guardas de Somoza, que foram profanados por revolucionários sandinistas três décadas atrás. Sandino não parecia estar escondido ali, mas o vandalismo e a profanação continuam, um lembrete das animosidades que permanecem nítidas no país.

"Nós procuramos e procuramos", disse Elias Zapata, administrador do cemitério e um corpulento ex-soldado das forças especiais sandinistas. "Os restos sumiram. É como as mãos de Che Guevara".

Caçada

Em uma entrevista em sua chique casa em Manágua, Walter Sandino, um dos três netos sobreviventes do ícone da guerrilha, prometeu não desistir da caçada. "É poético dizer que o espírito de Sandino vive em toda a Nicarágua, mas queremos enterrá-lo fisicamente em um cemitério como qualquer outra pessoa", disse ele, vestindo uma camisa com uma silhueta minúscula de Sandino em sua mula, uma releitura do logotipo da marca Ralph Lauren.

Walter Sandino rejeita os críticos que afirmam que Ortega sabotou a Constituição para concorrer novamente e se beneficia do patrocínio político da Venezuela, práticas que o próprio Sandino teria abominado.

Mas apesar de toda a devoção de Walter Sandino a Ortega - ele desenhou a árvore genealógica que liga seu avô a Ortega -, ele está furioso com o fracasso do governo em encontrar o corpo de seu avô e criar um museu digno de seu nome.

Foto: The New York Times Menina passa por mural de herói guerrilheiro nicaraguense Augusto Sandino

Ortega não manteve sua promessa de devolver botas, chapéus, esporas e armas que foram removidos por sandinistas de dois museus em homenagem a Sandino durante e depois da guerra, disse Tomas Herrera, curadora de um museu de Sandino em San Rafael del Norte. Muito parecido com um outro museu de Sandino no berço dos rebeldes em Niquinohomo, o museu de Herrera está praticamente vazio, o assoalho empoeirado e dilapidado.

Walter Sandino, um historiador autodidata que foi aproveitado por Ortega como consultor sobre Sandino, está acumulando os artefatos que consegue encontrar em sua casa na esperança de um dia construir um museu permanente. Algumas das relíquias estão em exposição este mês no Banco Central e outros artefatos estão com a primeira-dama, Rosario Murillo, parente Sandino.

"Este é um dos maiores erros da revolução", disse Walter Sandino, olhando através da fumaça do incenso em um santuário dedicado a seu avô em sua casa. "Não há nem mesmo um museu. Não há qualquer lugar para aprender sobre Sandino na Nicarágua. É óbvio o quanto estamos abandonados".

  O presidente Hugo Chávez, da Venezuela, que ajudou a financiar o governo de Ortega enquanto outros países cortavam sua ajuda por causa de preocupação com a transparência eleitoral, pode ser a melhor esperança de patrocínio para um museu de Sandino.

Fora da casa de Walter Sandino, próximo a uma imponente e grande estátua de Sandino em sua mula, ele está construindo uma torre de observação que será batizada em homenagem ao esconderijo de seu avô nas montanhas Segovia – El Chipote. Ele a está construindo com os rendimentos de um livro sobre seu avô (El Libro Sandino), que disse ter sido publicado com o financiamento da cooperativa que gere a ajuda da Venezuela na Nicarágua.

O prólogo da obra é um poema rascunhado por Chávez há duas décadas, enquanto sobrevoava uma Nicarágua devastada pela guerra. Nele, ele prevê que os soldados sandinistas um dia caminhariam lado a lado com os descendentes de Simon Bolívar, o lutador da independência que é reverenciado pelo governo de Chávez.    

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