A visita do papa Bento XVI ao Reino Unido, que começa nesta quinta-feira (16) , é considerada por ativistas uma chance de colocar o Vaticano contra a parede em relação a assuntos espinhosos, como o homossexualismo, a ordenação de mulheres e o que talvez seja o mais delicado: as acusações de abusos sexuais cometidos por padres. Os escândalos já atingiram países como Irlanda, Alemanha, Estados Unidos e, mais recentemente, a Bélgica.
Para a inglesa Anne Lawrence, de 47 anos, que coordena uma entidade britânica referência no tema, a Macsas (Ministry and Clergy Sexual Abuse Survivors) -na tradução livre "sobreviventes de abuso sexual pelo clero"-, "está na hora de o papa tomar atitudes e não só pedir desculpas".
A instituição dá apoio a mulheres e homens, crianças ou adultos, vítimas de abuso por religiosos -não só da Igreja Católica. "Usamos o termo sobreviventes porque é isso o que somos", diz Anne, ela mesma uma das vítimas.
A forma que ela encontrou de se manifestar foi fazer um livro com os depoimentos de 30 vítimas. A ideia era entregá-lo pessoalmente ao papa, mas o pedido foi recusado. "Não queremos intermediários. Quem garante que também desta vez não seremos calados?" O plano B agora é ir até alguns dos locais por onde ele passará.
Apesar da desilusão, ela diz que ainda vai à igreja, "mas só em momentos de muita felicidade ou de grande tristeza".
O que a visita do Papa ao Reino Unido representa para as vítimas de abuso sexual?
Anne Lawrence Algumas estão bastante ansiosas porque a vinda dele traz à tona o problema do abuso, e é muito dolorido ter que voltar a viver tudo isso mais uma vez. Outras ficam bravas porque consideram um desrespeito o papa ser recebido com todas as honras de chefe de estado porque ele somente pediu desculpas sobre os abusos, mas não tomou nenhuma medida prática, nada tangível.
O que a entidade espera dele e da Igreja Católica?
Lawrence Buscamos mais do que um pedido de desculpas. É preciso que seja criada uma comissão para investigar os casos de abuso na Inglaterra. Mas essa comissão deve ser secular, sem nenhuma ligação com a Igreja. O Vaticano deveria entregar os seus arquivos secretos para a polícia. Também deveriam ser implementados procedimentos de conduta para combater o abuso. Há casos na Justiça em que a Igreja entra com recursos e mais recursos contra as vítimas. É um absurdo. A Igreja tem que parar de lutar contra a vítima e começar a trabalhar a favor dela. Isso sem falar nos casos em que dão dinheiro para silenciar a vítima.
Durante a sua visita ao Reino Unido, o papa deve se encontrar com algumas vítimas?
Lawrence Ficamos sabendo que ele deve receber alguns sobreviventes a portas fechadas, mas não sabemos quem são nem onde será o encontro. Acho que não estamos entre os escolhidos porque fazemos muito "barulho", seria uma situação desconfortável para o papa. A Igreja diz que não recebe as vítimas em público para protegê-las. Só que o segredo não as protegeu antes nem as vai proteger no futuro.
Há alguma estimativa do número de vítimas na Inglaterra?
Lawrence Uma pesquisa que nós fizemos levantou o depoimento de mais de 120 mulheres que sofreram abuso ou exploração sexual pelo clero. Mas essa é só a ponta do iceberg, acreditamos que existam muito mais. A maior parte das vítimas é de mulheres, ou há homens também?
Lawrence A grande maioria é de mulheres mesmo, mas há homens. O que notamos é que, entre as crianças e adolescentes, eles costumam ser maioria porque normalmente são os garotos que trabalham na paróquia, como coroinha, ou quando viram seminaristas. Na fase adulta, é a mulher que é mais vítima. Também há casos de pedofilia em instituições mantidas pela Igreja, como orfanatos.
Qual é o perfil das vítimas mulheres?
Lawrence Normalmente já sofreram algum tipo de abuso quando crianças ou enfrentam uma situação familiar delicada. Quando procuram aconselhamento espiritual é porque estão deprimidas e com baixa auto-estima. E os padres se aproveitam disso.
Em que circunstâncias se dão os abusos?
Lawrence Acontecem basicamente de duas maneiras. Tem aquele religioso que é bruto, usa violência, agarra, beija à força e estupra. O ataque se dá quando ele fica sozinho com a vítima, ou na sacristia ou ao dar uma carona até a casa dela, por exemplo. Outro tipo é aquele que monta uma estratégia, usa a posição de sacerdote, de conselheiro, para seduzir a mulher e forçar um relacionamento. Ele declara o seu amor, e a vítima, vulnerável, se sente reconfortada e segura.
Muitos alegam que há a questão do consentimento da mulher...
Lawrence Um profissional não deve se envolver sexualmente com seus clientes, sejam eles pacientes ou frequentadores da igreja. É antiético, imoral e, em muitos casos, criminoso. Na Inglaterra, a lei considera crime professor ou psiquiatra que mantém relacionamento com um aluno ou cliente, mas não fala nada sobre padre. Deveria haver uma mudança na lei.
Por que a vítima não consegue se desvencilhar da situação?
Lawrence É muito difícil. Algumas são ameaçadas, sentem vergonha, têm medo de que não acreditem nela. Muitas se acham culpadas. E os "relacionamentos" podem durar anos. Elas ficam presas a esse círculo de necessidade, gratidão e confusão. Mas isso não é um relação normal, verdadeira, porque há um desequilíbrio de poderes. A pessoa foi em busca de aconselhamento, não de sexo. Essa situação não pode ser vista como um caso amoroso, mas um abuso de longo prazo, sob a máscara de um pseudoamor.
Como vê esses padres que se envolvem em casos de exploração sexual?
Lawrence Muitos padres fazem várias vítimas ao mesmo tempo. Eles têm um perfil egoísta, narcisista. Alguns podem ser perigosos, fazem ameaças. O comportamento deles é predatório. Sabemos de um caso de uma mulher com câncer, muito mal da doença, que foi buscar conforto e acabou sendo estuprada.
A quem elas geralmente recorrem?
Lawrence Muitas não encontram coragem para falar com medo de que não acreditem no que diz ou de serem acusadas pela Igreja de terem tentado o religioso. Aquelas que quebram o silêncio se sentem devastadas, em frangalhos. O casamento acaba, perdem o emprego. No caso de sofrerem um ataque, elas devem ir até a polícia, mas nem sempre vão.
Qual é a reação da Igreja quando um caso de abuso chega até ela?
Lawrence - O que é muito comum é simplesmente transferirem o agressor para outra paróquia. Eles continuam padres. Já vi serem transferidos até para cuidar de instituições que atendem crianças e jovens. O que as igrejas precisam fazer é desordenar esses padres e reconhecer que eles precisam de tratamento. No entanto, a Igreja se recusa a admitir a escala do problema.
Postado por: Thatiane de Souza
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