Depois de mais de doze horas de discussão, o Senado do Uruguai aprovou nesta terça-feira a lei de estatização do mercado da maconha, por 16 votos a 13 - tornando-se o primeiro país do mundo a regularizar a produção e distribuição da erva. Antes do debate acalorado, o próprio presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, alimentou a fúria da oposição ao admitir que seu país não estava pronto para se tornar o primeiro do mundo a regulamentar o cultivo, distribuição e uso da maconha. Mas, ele também se disse seguro de que “a dúvida não pode paralisar a abertura de novos caminhos”.
Com a nova lei, os usuários de maconha terão que ser maiores de 18 anos e poderão comprar 40 gramas por mês em farmácias autorizadas pelo Estado - após um cadastramento para que essas aquisições possam ser monitoradas. Os uruguaios também poderão cultivar para consumo próprio seis plantas - ou 480 gramas anuais. A Junta Nacional de Drogas prevê a comercialização de quatro ou cinco tipos de cannabis ao preço de US$ 1 por grama. Não será permitida a venda a estrangeiros e, um novo órgão, o Instituto de Regulação e Controle de Cannabis (IRCCA) ficará responsável por dar licenças, multar e suspender o registro de infratores.
Resta agora somente a Presidência sancionar a lei, que poderá entrar em vigor após 120 dias, prazo para para que o governo conclua as regras de todo o mercado de maconha, da plantação ao cigarro, passando pelo preço e pelo registro de todos os envolvidos no processo - incluindo os consumidores.
- Começamos a nova experiência em abril. Culturalmente ela envolve uma grande mudança focada na saúde pública e na luta contra o tráfico de drogas - disse a primeira-dama uruguaia, a senadora Lucía Topolansky.
Durante todo o dia, manifestantes favoráveis à medida se concentraram na Plaza Cagancha. Mas, no plenário, temerosa de que as novas regras façam crescer o consumo das drogas, a oposição questionou vários pontos da proposta, considerada inconstitucional. Mais cedo, com o estilo simples e tranquilo que lhe é peculiar, Mujica admitiu que há dúvidas legítimas sobre o sucesso da empreitada.
- Não estamos totalmente prontos, mas é como você, que aprendeu a ser jornalista quando te deram a oportunidade - afirmou o presidente ao Canal 4. - É preciso audácia para buscar outros caminhos e tirar da clandestinidade os jovens que entram no consumo e não se sabe onde vão parar.
Para o senador Jorge Larrañaga, da Aliança Nacional, no entanto, o projeto vai levar o Uruguai ao “abismo”, já que os viciados, acredita, poderão trocar suas doses de maconha por outras drogas pesadas no mercado negro.
- Este governo perdeu o rumo - criticou o provável candidato da oposição à Presidência.
O consumo de maconha já é legal no Uruguai, e a base desta nova lei é coibir a ação do narcotráfico: o presidente acredita que ao deixar nas mãos do Estado todo o controle sobre cultivo, colheita, produção importação, exportação e comercialização da cannabis e seus derivados, estará minando o comércio de drogas no país de 3,4 milhões de habitantes.
Comparação com um purgante
No Senado, enquanto governistas mostraram seu entusiasmo com o passo que estavam prestes a dar, a oposição criticou detalhes do projeto de lei, que classificou de inconstitucional.
- A lei representa uma política decidida e inovadora, para combater o crime organizado - afirmou o senador oficialista Roberto Conde.
Sua companheira de bancada, Constanza Moreira, destacou que a lei volta a colocar o país na vanguarda da América Latina.
- Para muitos de nós, hoje é um dia histórico. Muitos países da América Latina, e muitos governos, tomarão esta lei como exemplo.
Já o representante nacionalista Luis Alberto Heber questionou o critério que estabelece o plantio de seis pés de cannabis, e não sete ou oito. O senador colorado Alfredo Solari citou estudos que alertam sobre os danos à saúde provocados pela maconha, que pode levar à dependência:
- Se aprovamos a lei, podemos nos converter en um foco regional para o turismo de cannabis, como teme a região - disse.
Antes do fim da votação, o presidente uruguaio comparou a droga a um purgante, em declarações ao Canal 4. Aos 78 anos e garantindo que nunca fumou maconha, Mujica ressaltou:
- Isso não é um viva ao baseado. É como alguém que toma um purgante: é tomar medidas que não são bonitas, mas não podemos deixar as pessoas entregues ao narcotráfico.
Apesar da agenda progressista, a regulamentação tem o apoio de apenas 27% dos uruguaios, segundo o instituto Equipos Consultores - alta de seis pontos em relação a junho, quando o projeto passou na Câmara. A oposição à liberalização, embora tenha diminuído, continua alta: passou de 68% 58%.
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