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Sucesso do Brasil 'atraiu holofotes para América Latina', diz presidente do BID

Sucesso do Brasil 'atraiu holofotes para América Latina', diz presidente do BID

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:41

O crescimento do Brasil colocou um "holofote" sobre o que acontece na América Latina, disse em entrevista à BBC Brasil o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o colombiano Luis Alberto Moreno.

Líder em um continente que tem conseguido virar uma página ligada à pobreza e caminhando para se tornar "um país de classe média", o Brasil é um "modelo para os seus vizinhos", afirmou.

  Mas apesar de figurar entre os grandes emergentes mundiais, como a Índia, a China e a Rússia, o Brasil tem um destino que continua essencialmente ligado à dos outros países da América Latina, sustenta Alberto Moreno.

"É difícil mudar de endereço. O Brasil é dos países que tem mais vizinhos no mundo e isso não vai mudar. Ao contrário, o sucesso do Brasil faz bem à América Latina. Não tenho dúvidas que o Brasil colocou um holofote sobre o que acontece na região."

O presidente do BID falou com exclusividade durante uma visita a Buenos Aires para autografar seu livro "La década de América Latina y el Caribe".

Alberto Moreno destacou a oportunidade da América Latina de triplicar até 2025 a sua atual renda per capita de US$ 5 mil, através de investimentos em educação e em infra-estrutura."Para isso, precisamos fazer o que nós, latino-americanos, nunca fizemos: pensar no longo prazo."

BBC Brasil - O senhor afirma, no livro, que a América Latina tem uma enorme oportunidade. Que oportunidade é essa?

Luis Alberto Moreno - Viramos a página de temas que nos acompanharam durante muito tempo, como os desequilíbrios macroeconômicos, dívida, inflação. Hoje, em termos gerais, temos uma região que tem balanços macroeconômicos estáveis, uma população com a idade media de 27 anos, classes médias crescentes, e muitos dos produtos que o mundo precisa. Mas como usamos este bom momento para dar o salto qualitativo? Isso requer fundamentalmente que tenhamos visão de longo prazo, o que fizemos muito pouco na América Latina.

BBC Brasil - O que deve ser debatido?

Moreno - Temas como a produtividade, por exemplo. Os estudos que temos no banco demonstram que os custos dos transportes na América Latina são o dobro da média dos países da OCDE. Além disso, temos desafios imensos como da falta de segurança. Fizemos uma pesquisa nos Estados Unidos, Europa e no Japão e nestes países o emprego é a primeira preocupação. Esta mesma pesquisa na América Latina nos informou que a primeira preocupação dos latino-americanos é a criminalidade.

O outro grande tema é a educação e os investimentos em ciência e tecnologia. Um estudante em Xangai , na China, tem entre quatro e cinco anos mais de conhecimentos de ciência sociais - matemática ou ciências - que este mesmo estudante, em média, na América Latina. Acho que estas questões são fundamentais para que daqui a quinze anos, em 2025, possamos chegar a ter na América Latina, que hoje tem uma renda per capita de US$ 5 mil, cerca de US$ 15 mil de renda per capita.

  BBC Brasil - Com os níveis atuais de crescimento?

Moreno - Exatamente. Uma taxa de crescimento média de 5%, que foi a que tivemos nos últimos oito anos, salvo no período da crise, nos resultaria em quase US$ 15 mil de renda per capita. Temos de pensar no longo prazo. Nós gostamos de pensar no curto prazo e falar do lado negativo. Hoje achamos que podemos mudar esta discussão.

BBC Brasil - O que falta para que a América Latina decole como ocorreu com a China?

Moreno - Nos últimos 50 anos, por que países como Coreia (do Sul) conseguiram atravessar este grande caminho do deserto? Não há dúvidas de que há relação direta com a educação. Acho que a educação explica muitos dos sucessos dos países e especialmente porque a economia do futuro é baseada no conhecimento. Mas nós, latino-americanos, somos jovens e rapidamente aderimos à telefonia celular e às redes sociais. E tudo isso nos conectou muito mais rapidamente com o mundo.

BBC Brasil - Hoje a relação dos países da América do Sul com a China, principalmente, é baseada nas exportações das commodities. Como evoluir deste comércio de bens primários?

Moreno - Não temos dúvidas de que uma das nossas grandes oportunidades é que vamos ter preços das commodities em alta por pelo menos dez anos mais, porque países como a Índia e a China possuem classes médias crescentes. E estes novos milhões de asiáticos, que entram para a classe média, têm hábitos de consumo que mudam, disparando grande demanda por muitos produtos que são, principalmente, da América do Sul.

Mas também devemos usar este bom momento do preço dos produtos básicos para construir uma economia do século 21. Este não é um assunto de curto, mas de médio prazo. Os avanços em educação e em ciência e tecnologia são lentos. E o mesmo acontece com os investimentos na área de infraestrutura.

BBC Brasil - Essa é uma área na qual a economia tem problemas, apesar do crescimento: portos, aeroportos e outros setores. E agora vêm a Copa do Mundo e as Olimpíadas. O senhor acha que ainda há tempo para resolver estas questões?

Moreno - Estou convencido de que o Brasil vai resolver estas questões com sucesso e que medidas como a de abrir concessões para a construção de cinco aeroportos são um bom caminho. Certamente quando as ofertas forem abertas vão gerar maior valor entre os mercados emergentes. Creio que há no Brasil e em muitos países muito pragmatismo diante do fato de que o que se necessita é justamente avançar nos investimentos em infraestrutura. Do contrário, serão gerados gargalos que não vão permitir o crescimento a um ritmo maior e deixaremos de aproveitar este bom momento.

BBC Brasil - Também se fala hoje no Brasil da carência de mão de obra qualificada. Alguns setores falam até num 'apagão' nesta área. Como o senhor vê este fenômeno?

Moreno - Não acho que vamos chegar numa situação de apagão. O que temos é um sinal de alarme. Devemos ter consciência de que estes assuntos vão pesar muito e que a única maneira de resolvê-los é incluindo a sociedade como um todo. No Brasil existe um grande debate sobre este assunto e não é só no governo. Há uma grande participação de empresários e das próprias famílias que querem melhor educação para seus filhos. Existem latino-americanos talentosos que se foram de nossos países, em busca de oportunidades, e agora muitos destes jovens estão retornando. É saudável.

BBC Brasil - Hoje se fala mais do Brasil como integrante do Bric, mais até do que como integrante da América Latina. O Brasil estaria se descolando da região?

Moreno - Primeiro, é difícil mudar de endereço. O Brasil é dos países que tem mais vizinhos no mundo. Isso não vai mudar. Acho que, ao contrário, que o sucesso do Brasil faz bem à América Latina, a América do Sul. Não tenho dúvidas que o Brasil colocou um holofote sobre o que acontece (na região). Mas nesse mundo multipolar temos muitos cenários ao mesmo tempo. Por exemplo, a aliança que está sendo feita entre Chile, Peru, Colômbia e México (na área de mercado de capitais).

BBC Brasil - O senhor acha que o Brasil caminha para ser um país de classe média?

Moreno - Sem dúvida. Acho que é um país que está nesta direção e, além disso, percebo grande consciência em todo o governo brasileiro de preocupar-se em como chegar a isto mais rápido. Acho que é um exemplo para os demais países latino-americanos.

BBC Brasil - Como o senhor vê a economia brasileira hoje, onde a inflação, como ocorre em outros países, passou a preocupar?

Moreno - O Brasil hoje tem grandes desafios, como outros países latino-americanos, de uma pressão inflacionária que está ligada ao aumento dos produtos básicos e o grande fluxo de recursos para nossos países, porque estamos crescendo o dobro da economia mundial. É boa a iniciativa da presidente Dilma (Rousseff) de atuar pelo lado fiscal. É preciso ser contra-cíclico quando as economias têm quedas. Mas é preciso poupar para as melhores épocas. E isso, obviamente, está ligado à qualidade do gasto. Trabalhamos nesta área fiscal com muitos estados (brasileiros) e assunto faz parte da agenda do futuro.

BBC Brasil - Quanto tem o BID planejado para investir na América Latina? E no caso da Copa e das Olimpíadas, como entra o BID?

Moreno - Fizemos um aumento do capital, no ano passado, e estamos terminando (os detalhes) nos congressos dos países. Isso nos vai permitir poder emprestar, na próxima década, US$ 12 bilhões por ano. Quer dizer, que em alguns anos emprestaremos US$ 10 bilhões, outros US$ 12 bilhões ou US$ 14 bilhões para América Latina e Caribe.          

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