The New York Times
Um estudante islâmico ultraconservador anunciou sua chegada chutando um cinzeiro de metal localizado na entrada da universidade. \"Você quer dificultar as coisas para mim\", gritou, enquanto subia as escadas até a sala do reitor da universidade. \"Bom, também posso dificultar a sua vida.\"
Sem ter a quem recorrer e sabendo que a polícia demoraria a chegar, o reitor Habib Kazdaghli só pode suspirar e se proteger atrás de uma porta enquanto tentava tranquilizar alguns visitantes dizendo que estava tudo em ordem.
E foi assim que teve início um confronto recente na Universidade de Manouba, nos arredores de Tunis, capital da Tunísia, onde a situação vinha piorando há quase um ano. Neste local, um grupo de alunos salafistas ultraconservadores, muitos dos quais habitam a região pobre do interior do país, se posicionam contra um corpo docente urbano e moderno que afirma que um campus universitário não é lugar para salas de oração ou mulheres que cobrem o rosto.
Os acontecimentos em Manouba fizeram com que Kazdaghli, que foi eleito pelos representantes do corpo docente, chegasse ao noticiário, muitas vezes admirado por sua visão de campus secular e outras ridicularizado por perder o controle da situação ou por não reconhecer a necessidades dos alunos salafistas.
De forma geral, seus problemas oferecem um vislumbre das forças em ação na Tunísia à medida que o país tenta construir uma nova ordem, equilibrando as liberdades da democracia e da religião e os anseios de pessoas que, depois de viver sob governantes repressores por cerca de 60 anos, têm pouca experiência com a diversidade.
A Primavera Árabe começou na Tunísia e o país continua sendo o ponto de referência da região, com um partido islâmico moderado assumindo o poder, uma assembleia constituinte eleita já operando e uma classe média forte.
Mas, assim como Egito, na Líbia e até mesmo em países nos quais o governo não foi derrubado, como o Marrocos, a Tunísia ainda está lutando para chegar a um acordo com o papel que o Islã irá exercer na vida pública. Essa é uma luta que muitos tunisinos acreditam que poderá levar a realização - ou ao desmoronamento - de seu Estado nascente.
Cada vez mais tunisianos moderados têm demonstrado preocupações sobre o comportamento delinquente de islâmicos radicais que permanecem impunes. No mês passado, as autoridades prenderam 15 pessoas depois que grupos salafistas se rebelaram, incendiaram delegacias de polícia e atacaram bares que vendem álcool em várias cidades do noroeste do país.
\"A lei será cumprida\", disse Said Mechichi, o secretário de Assuntos Internos, de acordo com a TAP, agência de notícias oficial da Tunísia.
Mas na Universidade de Manouba, Kazdaghli teve um ano difícil com pouca ajuda das autoridades. Certa vez os manifestantes o mantiveram preso em sua sala por cerca de quatro horas. Outras vezes, os manifestantes fizeram o inverso, se agrupando para impedir a entrada em seu escritório.
Durante quase um mês, a Faculdade de Letras, Artes e Humanidades que era administrada por Kazdaghli foi quase totalmente destruída por manifestantes, impedindo que milhares de estudantes pudessem comparecer para fazer provas. Embora tenha pedido ajuda do governo, ele nunca foi atendido.
A polícia retirou os manifestantes do campus apenas uma vez, depois que um manifestante salafista tirou a bandeira da Tunísia e a substituiu pela bandeira muçulmana. Vídeos publicados no YouTube mostram uma jovem estudante tentando colocar a bandeira da Tunísia de volta antes de ser atirada ao chão por um salafista.
Na época, o ministro da Educação Moncef Ben Salem disse a repórteres que Kazdaghli tinha lidado com a situação na Universidade de Manouba de maneira pouco satisfatória ao não \"fazer o que precisava ser feito para solucionar o caso pacificamente.\"
Mas Kazdaghli demonstra poucos sinais de que irá recuar. Ele não está prestes a desistir de uma de suas salas de aula mais importantes para que os alunos possam ter uma sala de oração, especialmente quando tais instalações existem nas proximidades. Tampouco está disposto a permitir que as estudantes usem o véu em sala de aula, como dita a demanda dos salafistas.
\"Como é possível ensinar a uma aluna quando você não consegue ver o rosto dela - ou até mesmo aplicar um exame quando você não sabe com quem está falando?\", questionou.
Os tunisinos que vivem ao longo das áreas mais ricas do litoral apoiam Kazdaghli, que já esteve envolvido com o Partido Comunista do país, um grupo que, assim como os islâmicos, foi reprimido pelo ex-líder do país Zine El Abidine Ben Ali.
Eles veem a situação de Kazdaghli como um presságio perigoso - um sinal de que o novo governo, liderado pelo partido islâmico moderado Ennahda, não está disposto a fazer com que os islamitas ultraconservadores respondam à lei do Estado.
Eles se preocupam com outros eventos recentes, mais notavelmente um veredicto que multou um executivo da televisão em cerca de US$ 1,6 mil por transmitir o filme \"Persépolis\", que alguns muçulmanos consideram ofensivo, pois inclui uma cena que descreve Deus. Eles não estão apenas preocupados com a convicção, mas com o fato de que ninguém nunca foi processado pelos ataques à estação de televisão ou por ter atirado um coquetel Molotov na casa do executivo.
Mas outros dizem que o governo está apenas sendo pragmático e tentando um equilíbrio cuidadoso para não perder eleitores antes das eleições programadas para o próximo ano. Abou Yaareb Marzouki, o vice-primeiro-ministro da Educação, rejeitou ter qualquer tipo de preocupação sobre o caso do executivo de televisão.
Já os salafistas permanecem profundamente desapontados com a nova ordem por não fazer mais para impor um modo de vida religioso.
Rafik Ghaki, um advogado e ativista salafista, disse que o grupo continuará pressionando pela lei da sharia, que acredita ser mal compreendida e que pode fazer justiça até mesmo para cidadãos não muçulmanos na Tunísia. Ghaki disse que a violência é inaceitável, e que quando ela ocorre - como quando manifestantes salafistas deram uma cabeçada em um jornalista que saía do julgamento de \"Persépolis\" -, normalmente é resultado de uma provocação.
Ainda assim, há muito na Tunísia que ainda parece despertar esperança. No interior do edifício do Parlamento, a Assembleia Nacional Constituinte está considerando os artigos de uma nova Constituição e parece adotar o mesmo comportamento de qualquer órgão governamental ocidental.
Recentemente, a assembleia ponderava medidas orçamentais. Membros apontavam orgulhosamente que os fundos deste ano seriam divididos com base em uma fórmula que levará em conta os cálculos de necessidade.
\"Estamos passando a mensagem da revolução\", disse Libna Jeribi, que está na comissão de finanças da assembleia. \"Já não é mais a vontade de uma autoridade do governo que vai decidir para onde vai o dinheiro, como era no passado.\"
No entanto, no outro lado da cidade, no mesmo dia, Kazdaghli estava encolhido em seu escritório com dois jornalistas do The New York Times enquanto chamava a polícia para escoltá-los para fora do prédio. \"É tipo de coisa com a qual tenho de conviver diariamente\", disse.
O estudante furioso fora da sala do reitor, Mohamed Rafik Alegui, 28, protestava sobre uma audiência disciplinar realizada naquela manhã que havia recomendado que ele fosse suspenso por um mês por ameaçar um professor.
Alegui gritou repetidamente que Kazdaghli, um especialista em minorias na Tunísia, incluindo a população judaica, era um sionista. Ele reclamou que os salafistas estavam sendo disciplinados, enquanto o governo não fazia nada \"sobre todos os namoros que acontecem no campus\".
Kazdaghli chamou a polícia várias vezes, finalmente dizendo que tinha dois jornalistas no seu gabinete e que a polícia ia se arrepender se não viessem. Eles chegaram cerca de 20 minutos após a ligação.
Por Suzanne Daley
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