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Tensões entre Haiti e República Dominicana diminuem após terremoto

Tensões entre Haiti e República Dominicana diminuem após terremoto

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:27

Como quase todas as pessoas em Hispaniola, a ilha desconfortavelmente compartilhada pelo Haiti e República Dominicana, Paloma Rivera está bem ciente de que os dois países não confiam um no outro, reclamam um do outro e mencionam injustiças um do outro há mais de um século.

Mesmo assim, aqui estava ela, uma dominicana limpando lixo e cavando latrinas numa favela na capital haitiana, Porto Príncipe, para ajudar os sobreviventes do terremoto a encontrar um lugar para armar suas tendas.

"Talvez esse terremoto, mesmo com suas tragédias, possa trazer algo de bom, ao nos tornar um pouco menos distantes um do outro", disse Rivera, 24 anos, assistente social que se uniu a milhares de outros dominicanos no transporte de alimentos e medicamentos emergenciais.

Desde que o terremoto arruinou esta cidade, no dia 12 de janeiro, um quantidade impressionante de soldados, médicos, assistentes sociais e missionários se aglomeram aqui, vindos de várias partes do mundo, comunicando-se em árabe, hebraico, mandarim e muitas outras línguas.

Na maior parte das vezes, a política em seus países de origem diminui em importância, fazendo com que improváveis companheiros trabalhem juntos, quando não lado a lado: israelenses e libaneses, paquistaneses e indianos, todos tentando trazer este país de volta à normalidade.

Em outros casos, o terremoto parece ter salientado conflitos entre aliados do Haiti. Venezuela e Cuba, competindo por influência, criticaram os Estados Unidos, que há tempos têm sido uma grande influência aqui, pelo uso de soldados em seus esforços de ajuda humanitária.

"É preocupante que os americanos estejam usando essa tragédia para ocupar militarmente o Haiti", disse recentemente o presidente venezuelano Hugo Chávez, durante uma visita à Bolívia para a cerimônia de posse de Evo Morales. O presidente boliviano, grande recebedor de ajuda da Venezuela, descreveu a decisão do governo de Obama de enviar tropas para o Haiti como uma "invasão".

Enquanto isso, Taiwan tem usado seus laços de proximidade com o Haiti para se defender das solicitações do governo chinês, que tenta convencer o presidente haitiano René Préval de que seu país não deveria mais reconhecer Taiwan como uma nação independente.

Porém, entre todas as diversificadas relações políticas surgidas, a possível transformação dos laços do Haiti com a República Dominicana se destaca.

Antes do terremoto, a classe política haitiana via seu vizinho a leste com extrema cautela. O tratamento duro dado aos imigrantes haitianos por parte da República Dominicana e um ódio persistente envolvendo o massacre de dezenas de milhares de trabalhadores haitianos, ordenado em 1937 pelo ditador dominicano Rafael Trujillo, alimentam o ressentimento, além de uma dose de inveja em relação à relativa prosperidade do vizinho de porta do Haiti.

Algumas pessoas da situação política dominicana, por sua vez, há muito tempo veem o vizinho com ressentimento em relação à anexação de duas décadas da antiga colônia espanhola de Santo Domingo por parte do Haiti, nos anos de 1800. Nas últimas décadas, o governo dominicano se concentrou em evitar um grande fluxo de imigrantes haitianos, ao mesmo tempo em que dependia de mão-de-obra barata haitiana para a construção civil e a cana de açúcar.

Seria impossível apagar todo esse ressentimento em apenas algumas semanas. No entanto, os milhares de dominicanos ajudando as vítimas aqui podem ter começado a dissipar as tensões entre os 18,6 milhões de pessoas distribuídas de forma praticamente igual pelos dois países.

"Nossa relação com o Haiti nunca mais será a mesma", disse Pastor Vásquez, 42 anos, experiente diplomata da embaixada dominicana, na saída do edifício da embaixada, afetado pelo tremor, onde dezenas de voluntários se acomodavam em tendas.

Vásquez afirmou que a República Dominicana dispensou algumas exigências de visto para haitianos que buscam assistência médica emergencial, autorizou mais de 300 voos transportando ajuda e doou US$ 11 milhões para o Haiti. Uma das famílias de empresários mais prósperas da República Dominicana, o Grupo Vicini, que no passado já foi acusado de explorar trabalhadores haitianos em plantações cana de açúcar, também doou milhões de dólares para a recuperação do país vizinho.

Embora outras restrições à imigração na fronteira principal ainda permaneçam, os países estão cuidadosamente se aproximando de outras formas. Após o terremoto, os líderes haitianos primeiro resistiram à ideia de aceitar tropas dominicanas para trabalhar com a força das Nações Unidas aqui, mas depois reconsideraram.

A decisão também foi difícil para a República Dominicana. A proposta do presidente Leonel Fernández de enviar mais de 100 tropas ao Haiti deflagrou um debate sobre o que aconteceria se os soldados encontrassem violência, e alguns dos opositores de Fernández disseram que a proposta deveria se submeter à aprovação do congresso.

Analistas políticos também apontam que essa assistência não é puramente altruísta. Em primeiro lugar, a República Dominicana está preocupada com um êxodo de haitianos pela fronteira; assim, é interesse do próprio país estabilizar o Haiti.

Outro interesse é de aspecto econômico, afirmam analistas. "A República Dominicana pode ter os maiores ganhos no futuro imediato com os esforços de reconstrução", disse Johanna Mendelson Forman, associada do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington. "Suas empresas estão prontas para ajudar com equipamentos de construção e seus investidores mostraram interesse em ajudar a criar infraestrutura", afirmou em artigo.

Entretanto, o trabalho dos voluntários dominicanos aponta para outras motivações, mais idealistas. Todos os dias, eles distribuem alimentos na favela conhecida como Delmas 54 e trabalham na contagem dos desabrigados. Eles até chamaram o acampamento de desalojados que ajudaram a criar de Quisqueya, uma palavra usada em ambos os países para se referir às origens indígenas de Hispaniola.

Elisabeth Delatour Préval, primeira-dama do Haiti, disse que, quando finalmente pôde acessar seu computador após o terremoto, uma das primeiras mensagens que recebeu foi de sua colega dominicana, a primeira-dama Margarita Cedeno de Fernández. "Ela me perguntou como poderia ajudar", disse Elisabeth Préval, observando que seus maridos também se comunicam com frequência desde o terremoto.

Como colocou Lorraine Mangones, ativista comunitária haitiana: "Acho que eles não nos odeiam tanto quanto pensávamos".

Por: Simon Romero e Marc Lacey

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