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Terror para imigrantes ilegais, Arizona é paraíso para refugiados

Terror para imigrantes ilegais, Arizona é paraíso para refugiados

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:10

Aqui no Arizona, imigrantes ilegais são expulsos. Os refugiados, porém, são recebidos com um tapete de boas vindas.

Mesmo enquanto as autoridades se enfurecem com o que eles chamam de “invasão” de imigrantes ilegais, principalmente de mexicanos, o Arizona recebeu milhares de imigrantes legais vindos de terras despedaçadas pelo sofrimento, como Somália, Mianmar e Iraque – e o estado é conhecido por tratá-los curiosamente bem.

Realmente, as terras secas do vale de Phoenix podem parecer um gigantesco laboratório de recolonização. Bósnios aparam os gramados do hotel Arizona Biltmore, e o hospital St. Joseph oferece aulas de pré-natal no idioma birmanês. Um criador de cabras sudanês está prosperando num matadouro no deserto, construído com um empréstimo para microempresas (ele fica feliz em demonstrar sua habilidade para transformar uma cabra em carne de cabra).   Hai Doo, funcionário de lavanderias de Mianmar, recebeu uma grande ajuda para comprar sua primeira casa. Yasoda Bhattarai, uma jovem mãe do Butão, afirma que as 10 semanas de hospital gratuito que recebeu salvaram a vida de sua filha, nascida com tuberculose. “Sempre que alguém me pergunta sobre Phoenix, eu digo que é o melhor lugar do mundo”, disse ela.

Apenas três estados aceitaram mais refugiados, numa contagem per capita, nos últimos seis anos. O Arizona recebeu quase duas vezes mais refugiados per capita que seu vizinho liberal, a Califórnia, e mais do que o dobro per capita em relação à Nova York, Nova Jérsei e Connecticut.

“No grau de boas vindas e receptividade, eu certamente colocaria o Arizona no topo”, afirmou Robert Carey, vice-presidente do Comitê Internacional de Salvamento, que restabelece refugiados em doze estados.

O trabalho do estado contrasta com sua fama de terror dos imigrantes ilegais, a quem os críticos culpam pelo aumento da criminalidade, por roubar empregos e por sobrecarregar hospitais e escolas.

“Nós não somos anti-imigrantes, nem nunca fomos”, afirmou o Senador Russell Pearce, republicano que é um dos maiores críticos da imigração ilegal. “Mas esperamos que as pessoas cumpram as leis”.

Pearce apadrinhou uma nova lei que daria à polícia um poder maior para questionar pessoas sobre sua situação de imigrante. A administração Obama vetou, argumentando que a lei usurparia o poder federal e estimularia o racismo.

Numericamente, os grupos não se comparam; o Arizona acolheu cerca de 4.700 refugiados no ano passado, mas estima-se que tenha 375 mil imigrantes ilegais. Os refugiados não são migrantes econômicos, mas sobreviventes de guerras e perseguições – admitidos pelos Estados Unidos por razões humanitárias e de política externa. Fugindo da violência, muitos refugiados também atravessaram ilegalmente as fronteiras.

Grupos de refugiados no Arizona algumas vezes se veem no meio do fogo cruzado político, querendo enfatizar que seus clientes são imigrantes legais sem escolher lados na guerra mais ampla.

“Não queremos estar na posição de dizer que um grupo é ruim e outro é bom”, disse Robin Dunn Marcos, que administra o escritório do grupo de salvamento em Phoenix.

Baixo custo de vida

O Arizona atraiu inicialmente os refugiados por seu baixo custo de vida, e antes da recessão o estado tinha muitos empregos de nível básico disponíveis para quem não falasse inglês, como serviços domésticos e jardinagem. O sucesso inicial, com imigrantes da Bósnia e de Kosovo no final da década de 1990, e mais tarde, com órfãos de guerra do Sudão, ajudaram a elevar o apoio local.

Os esforços se intensificaram em 2002, após a contratação de um novo coordenador do estado, Charles Shipman, casado com uma ex-refugiada do Camboja e conhecido por seu habilidoso ativismo social. Nos últimos anos, o Arizona recebeu mais do que o triplo de refugiados que recebia antes de sua entrada.

Shipman identificou rapidamente uma escassez de intérpretes para uma população cada vez mais etnicamente diversa. Ele encomendou um estudo que descobriu barreiras de idioma “bastante perturbadoras”. Então, o grupo de salvamento usou isso para obter um financiamento privado e iniciou um serviço de intérpretes – operando atualmente em 14 idiomas, incluindo kirundi (Burundi), tigrínia (Etiópia) e hakka (China).

Enquanto a recessão dominava, Shipman liderou um esforço para evitar a falta de moradia entre refugiados recém-chegados. Em parte por seu estímulo, o governo federal permitiu que o Arizona transferisse verbas federais para um auxílio-aluguel e solicitou que outros estados fizessem o mesmo.

Isso beneficiou Harith Khalid Aziz, um refugiado iraquiano com diploma de mestrado que recebia pouco como balconista meio-período num mercado. Com esposa e filho pequeno, ele afirmou que correr o risco de um despejo foi “uma sensação terrível”.

O suporte financeiro por alguns meses o ajudou até ele encontrar um emprego melhor. No Arizona, mesmo “se você não é da mesma raça, você é bem recebido”, contou ele. “Os Estados Unidos são construídos sobre esse pilar”.

No ano passado, o governo federal acolheu cerca de 75 mil refugiados, de um total de 10,5 milhões no mundo todo, cobrindo a maioria dos custos de restabelecimento. As autoridades estaduais administram o dinheiro e ajudam a decidir quantos refugiados podem ser recebidos; agências privadas fazem o trabalho social, ajudando a encontrar moradia e empregos.

O hotel Biltmore não só contratou refugiados, mas também doou mobília usada a eles. A escola particular Tesseract (preço: US$19 mil por ano) estabeleceu uma bolsa de estudo para refugiados. Quando o grupo de salvamento encorajou seus clientes a trabalhar com agricultura, a empresa Hickman’s Eggs doou 60 toneladas de adubo de galinha.

Hai Doo, o funcionário de lavanderia da antiga Burma, achou que o programa de casa própria era bom demais para ser verdade. Subsídios combinados converteram suas economias de US$ 5 mil numa entrada de US$ 24 mil para a compra de uma casa. A maior parte do dinheiro veio do Federal Home Loan Bank, em São Francisco, que é obrigado a gastar parte de seus lucros em apoio à moradia.

“Eu nunca imaginei que receberia uma ajuda como essa”, disse ele.

O perseguidor de imigrantes

O outro lado da história do Arizona inclui o xerife de Maricopa County, Joe Arpaio, que lidera um grupo nacional de seguidores contra os imigrantes ilegais. “Há rumores de que eu poderia concorrer à presidência”, disse ele numa recente entrevista. Arpaio comanda frequentes incursões a bairros de imigrantes, parando pessoas por infrações insignificantes e inspecionando seu status como imigrante. Ele afirma que essas incursões já prenderam centenas de imigrantes ilegais. Críticos dizem que ele dissemina o medo e molesta residentes legalizados.

Victor Acevedo, imigrante ilegal do México, conta ter sido parado em janeiro, depois de ter virado uma esquina sem usar a seta, e que portava uma pequena quantidade de maconha. Hoje ele aguarda a deportação em uma das afamadas tendas-prisão de Arpaio, vestido o uniforme padrão: listras negras e roupa de baixo rosa.

Numa entrevista ao lado de sua tenda e sob um calor de 42 graus, Acevedo, de 29 anos, contou ter chegado há nove anos em busca de um “meio de vida melhor”. Encontrou trabalho como jardineiro, se casou com uma americana e teve dois filhos nascidos nos EUA. Ele foi deportado em 2008, mas voltou um ano mais tarde para ficar com sua família.

“Estamos aqui ilegalmente, mas ainda somos seres humanos”, disse ele.

Os refugiados parecem demorar em sentir alguma compaixão. Os dois grupos frequentemente concorrem por empregos ou moradia, e alguns refugiados afirmam terem sido atacados por gangues de latinos.

Os Estados Unidos “representam lei e ordem”, afirmou Wissam Salman, de 35 anos, camareiro de hotel vindo do Iraque. “Se eles não cuidarem dessas pessoas, será desastroso”.

Ibrahim Swara-Dahab, o criador de cabras sudanês, concorda.

“Tenho alguns problemas com os mexicanos; eles roubaram minhas cabras”, afirmou ele. “Se eles não têm documentos, deveriam voltar ao seu país”.

Swara-Dahab reconheceu também ter atravessado ilegalmente uma fronteira, quando fugiu do Quênia – mas disse que foi por uma questão de vida ou morte.

“Aqui, a situação é diferente”, disse ele. “É preciso ter documentos”.    

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