Conheça o único reduto naturista oficial de SP

Conheça o único reduto naturista oficial de SP

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:01

Sim, esta é mais uma reportagem sobre pelados, com fotos de gente que gosta de tirar a roupa. Afinal, é verão e por que não mostrar as diversas facetas da estação mais quente do ano, certo? Errado. As pessoas que aceitaram falar ou aparecer aqui não se despem somente quando estão com calor. Ficam nuas durante o ano inteiro. Apesar disso, pedem para não ser confundidas com nudistas, o que soa pejorativo no entender delas. Preferem ser chamadas de ‘naturistas’, algo mais fiel ao estilo e à filosofia de vida que escolheram seguir.

De acordo com o a Federação Internacional de Naturismo (International Naturist Federation, em inglês), fundada em 1953 em Montalivet, na França, o conceito de naturismo pode ser definido como “um modo de vida em harmonia com a natureza, caracterizado pela prática da nudez social, que tem por intenção encorajar o autorrespeito, o respeito pelo próximo e o cuidado com o meio ambiente".

No Brasil, essa nudez social em contato com a natureza teve como precursora a atriz Dora Vivacqua, chamada de Luz del Fuego, que entre os anos 1950 e 1960 criou o primeiro clube naturista do país na Ilha do Sol, no Rio de Janeiro, onde andava nua enrolada numa cobra. Não à toa, o dia em que ela nasceu, 21 de fevereiro, é comemorado até hoje com o dia do Naturismo no Brasil.

Mas o movimento naturista em terras tupiniquins ganhou força mesmo a partir dos anos 80, quando os peladões ganharam um lugar para tirar a roupa sem que isso fosse encarado como atentado violento ao pudor e resultasse em prisão. Uma lei municipal oficializou a Praia do Pinho, em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, como o primeiro reduto naturista do país em 1981.

Nos dias atuais, o naturismo em grupo ocorre oficialmente nos 12 destinos naturistas no país que são reconhecidos pela Federação Brasileira de Naturismo (FBrN). A reportagem visitou um desses locais no dia 12 de dezembro, um domingo marcado pelo aniversário de uma das 15 entidades brasileiras praticantes. O Mirante do Paraíso, um sítio em Igaratá, no interior de São Paulo, é o único reduto naturista oficial do estado indicado pela FBrN.

Para o próximo ano, a ideia da entidade dos naturistas é conseguir mais um outro lugar. Um movimento encabeçado pela federação quer criar em São Sebastião, no litoral norte paulista, a primeira praia naturista de SP. Como o projeto de lei para regulamentar o naturismo no Brasil está parado no Senado, a permissão para se praticar o naturismo ainda depende da autorização das prefeituras.

Tartaruga nua indica caminho

Apesar do preconceito e até da repulsa de parte da população, o naturismo existe em Igaratá há quase dez anos. Quem permite é a administração pública, afirma Arnaldo Ramos Soares, dono do Mirante do Paraíso. O G1 não conseguiu localizar a prefeitura para comentar o assunto.

Da capital paulista até o mirante em Igaratá são cerca de 100 km de distância. O lugar é um sítio isolado entre represas, morros e árvores. Os moradores da cidade não são naturistas, mas sabem informar sem qualquer tipo de vergonha onde o reduto fica. “Ah, o campo nudista? É só pegar uma estradinha de terra lá na frente e andar mais uns 6 km”, ensina a dona de casa Maria Rita, de 54 anos, enquanto varre a varanda e faz questão de esclarecer: “Eu não vou lá não, viu? Não gosto dessas coisas”.

Uma placa pregada numa árvore chama a atenção da reportagem. É o desenho estilizado de uma tartaruga nua com a genitália à mostra, de óculos escuros, e com o casco atrás dela. Não é preciso palavras: a imagem fala por si só. A equipe está no caminho certo. Minutos depois, um portão com o logotipo do animal se abre e o carro entra. Por mais que motorista, fotógrafo e repórter soubessem para onde iriam e o que encontrariam, a imagem inicial de ver outras pessoas nuas choca.

Carros não param de chegar. Dos importados saem empresários vestindo camisas pólo e suas mulheres de salto alto. Os filhos exibem tênis de última geração. Dos automóveis populares descem casais de amigos usando cangas e chinelos havaianas. Uma espécie de strip tease coletivo toma conta do local. Apesar de todos pagarem mensalidade para terem uma carteirinha da FBrN, que os permitem frequentar os redutos naturistas, em minutos, já sem roupas, não é possível saber quem é milionário ou classe média, quem é patrão ou empregado, executivo ou mecânico.

“A gente não deixa só a roupa lá fora, deixa também a classe social”, diz a aeronauta Viviane, de 29 anos, adepta do naturismo juntamente com o marido, o empresário João Paulo, de 53 anos.

Sem vergonha

Lá ninguém tem nada para esconder. É o caso da administradora Claudia Alexandre Ferreira, de 40 anos, presidente da Paulinat, associação de naturismo de São Paulo que comemora três anos de existência. “Está vendo essa cicatriz enorme na minha barriga? É uma cirurgia de redução de estômago a que me submeti há seis anos. Não tenho vergonha dessa marca. Não tenho vergonha do meu corpo. Não ligo para o que pensam dele. Aqui todos se aceitam como são e nos aceitam como somos”, diz.

Alguns homens percebem o gravador da reportagem ligado e não se importam em chamar suas mulheres para falar. “Benhê?”, pergunta um senhor a sua mulher. Ambos não quiseram se identificar. “O quê, amor?”, responde a mulher. “Venha aqui conversar com o repórter, dar um depoimento sobre nossa causa, nossa filosofia de vida.”

A senhora, com cerca de 50 anos, exibe um estilo de depilação pubiana que é comum entre outras mulheres e difundido também pelos homens. “Tiramos todos os pêlos por questão de higiene. Total shave, conhece?”, diz ela.

Cerca de 150 pessoas estão no mirante. Umas na beira da piscina, outras sobre o gramado. Lá, a orientação é ficar sem roupa nesses locais. No máximo, usam um boné, óculos escuros e um protetor solar fator 30. Até porque ninguém quer ficar da cor de um “camarão”. Mas há também quem tenha receio de já chegar tirando tudo logo de cara.

Paquera, casamento e fotos

É tanta gente pelada que chega um momento em que o susto inicial desaparece. “Muita gente pelada junta chega uma hora que enjoa mesmo”, brinca o analista de sistemas Bruno Romano, de 34 anos, ao lado do filho de 2 anos e da mulher, a contadora Paula Duarte Silveira, de 37 anos, que conheceu nos encontros naturistas. “Quando se entra num espaço naturista, o que mais se olha numa conversa com alguém que está pelado ou pelada na sua frente é o rosto e não corpo. Afinal de contas, secar a nudez alheia e manifestar qualquer conotação sexual não são aceitos pelas Normas Éticas do Naturismo Brasileiro”.

Em outras palavras, o sexo só é permitido entre quatro paredes. Quem frequenta o naturismo também não abandona seu credo ou sua fé. Há católicos, evangélicos, espíritas e até padres naturistas. Estes últimos, no entanto, não confessam para todo mundo que tiram a roupa.

A questão da religião entre os naturistas é curiosa. Há cerca de um ano, um casal naturista que se conheceu em Igaratá resolveu se casar a caráter, quer dizer, pelado, na capela do mirante.

“O padre estava vestido e celebrou a cerimônia católica. A noiva entrou nua, só com véu, grinalda e buquê. O pai dela, que não era naturista, aderiu na hora. Entrou com a filha e a levou para o altar somente com uma gravata, também sem roupa. Noivo, padrinhos e convidados também estavam nus. Foi muito bonito”, conta Eduardo Oide, de 57 anos, presidente do conselho de ética da FBrN.

“Abaixa essa câmera aí. Tenho emprego e o pessoal lá não sabe. Se me virem aqui não vão entender porque faço isso [tirar a roupa em público]”, diz uma mulher, que pediu para não ser identificada porque é professora de escolinha infantil no interior do estado.

Apesar da recusa de alguns, há naturistas que assumem publicamente a escolha pela filosofia de vida que prega a nudez coletiva em harmonia com a natureza. É o caso do administrador Sergio Bassi, de 55 anos, e sua mulher, a enfermeira Elis, de 38 anos. Eles são naturistas há seis anos. “Temos porta-retratos na sala de nossa casa com fotos nossas em que estamos nus, praticando o naturismo. Quem chega em casa vê. Não temos que esconder nada de ninguém. Nos nossos trabalhos todos sabem que somos naturistas”, diz Elis, que mora com o marido em Carapicuíba, na Grande São Paulo.

Diversidade

O que mais se vê no mirante são casais com crianças, idosos e homens desacompanhados. Estes precisam ser convidados. Mulheres sozinhas são bem aceitas. Gays e lésbicas também são assíduos frequentadores.

O carioca João Batista, de 27 anos, foi sozinho ao mirante em Igaratá por causa do trabalho. Ele foi fazer uma matéria para o jornal Olho Nu, do segmento naturista. “Minha mulher ainda não aderiu. Quem sabe um dia. Mas ela sabe que estou aqui, viu? Pode tirar foto minha e publicar porque eu não vou apanhar em casa não.”

Risonha, Elda Aparecida Mariano Moraes, de 56 anos, mora em Igaratá, mas também estava no mirante a serviço. Ela é a cozinheira do reduto naturista, mas avisa. “Trabalho com roupa, moço. Coloca aí que trabalho vestida. Uma porque não gosto de ficar nua na frente dos outros. Outra porque ninguém fica pelado na cozinha por causa da higiene”, diz ela.

Praia em São Sebastião

O próximo passo da Federação Brasileira de Naturismo é tentar criar uma praia para seus praticantes em São Sebastião, a 214 km da capital paulista. “Já procuramos representantes da prefeitura para falar do assunto, mas eles nos ofereceram a Praia Brava, que é de difícil acesso. O naturista quer privacidade, mas não quer dificuldade”, afirma o presidente da FBrN, o engenheiro elétrico José Antonio Ribeiro Tannús, de 62 anos, que mora em Goiânia.

Dados da entidade mostram que dos 500 mil praticantes no Brasil apenas 1.200 são registrados. “São aqueles que aceitaram fazer a carteirinha da entidade, a identidade ou o passaporte naturista, como chamam”, diz.

Procurado para comentar o assunto, o prefeito Ernane Primazzi, que não é naturista, afirmou que vai fazer o possível para ouvir a federação.

“Até agora não teve uma conversa oficial. Teria um grupo que tem interesse, mas antes precisamos ver outras questões. Tem pescador, caiçara, residências, veranistas. É uma coisa polêmica e complicada. Particularmente, não vejo problema. Mas na condição de prefeito é preciso conciliar as coisas. Para ocorrer uma coisa nesse sentido, precisa ser uma praia com acesso por mar para eles poderem ter sua privacidade e não ter choque de cultura. Me coloco à disposição para tentar achar uma praia própria para o naturismo”, diz o prefeito.

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