Medo e falta de saneamento
Camila Lourenço da Silva, de 25 anos, estava morando de favor na casa de sua sogra, no conjunto de favelas do Alemão. Ela parou de trabalhar aos 20 anos, quando teve o primeiro filho, Lucas, e desde então tem ficado à disposição dos dois filhos, já que há 4 meses nasceu Arthur. Atualmente, Camila se sustenta apenas com os R$ 400 do programa Bolsa Família, do Governo Federal.
Apesar de ainda não haver uma data para a reintegração de posse do terreno, as violentas imagens da ação no prédio da Oi, no Engenho Novo, Zona norte do Rio, permanecem muito vivas nas mentes e olhos desses ocupantes, que não querem que as cenas - que incluíram ônibus queimados, viaturas policiais depredadas, feridos e 26 pessoas detidas – se repitam. Ao ser questionada sobre uma possível reintegração violenta, ela abraça com mais força o primogênito enquanto o amamenta:
“Deus que me livre disso. Aqui há muitas crianças, já imaginou o que pode acontecer caso haja gás de pimenta, bala de borracha? Espero que isso não aconteça”, disse ela, que mora hoje em uma sala do último andar da fábrica, com pouco mais de 10 m².
Os ocupantes reclamam que, devido à sujeira e a falta de esgoto, animais como ratos e baratas aparecem com frequência nas casas. Rosimeri Duarte, de 46 anos, mora em um barraco pouco depois da entrada da fábrica. Apesar do pouco espaço, ela vive ali com a filha Fabiana, de 5 anos de idade. Ela conta que já teve que levar a filha à Unidade de Pronto Atendimento da região, na Estrada do Itararé, devido à contaminação da água que vem para a ocupação, através de ligações clandestinas. "Ela teve diarréia, cólica, passou muito mal. Comprei um filtro e hoje em dia ela só toma água filtrada.
A presença de crianças na ocupação é marcante. Só Joyce dos Santos Silva, de 25 anos, tem três filhos: Juan Vitor, de 6 anos, Kariny Victória, de 4 anos, e Felipe Ricardo, de 1 ano e 6 meses. Ela deixou o Jacarezinho, onde morava com mais uma amiga, e vive na ocupação desde maio.
"Ninguém está aqui porque quer. Estou aqui porque não tenho para onde ir com meus três filhos", contou ela.
Há espaço também para figuras solitárias. Neuza Monteiro Cardozo, de 72 anos, vive sozinha em um barraco nos fundos da ocupação, em um ambiente abafado e escuro. Ela sobrevive cuidando de crianças e fazendo faxinas, e diz que precisa ganhar dinheiro para dar presentes aos netos.
"Só de netos, tenho 12. E agora um bisneto, que nasceu há um mês. Passo quase o dia inteiro fora e volto à noite", contou ela.
Dia da ocupação
Junior, um dos dirigentes da Associação de moradores do local, conta que, no dia da chegada dos ocupantes ao local, 40 a 50 famílias ocuparam o prédio e retiraram dois homens que tomavam conta do estabelecimento. Segundo o vice-presidente da associação de moradores, esses dois se mantinham às custas dos moradores e comerciantes da região
"Eles estavam cobrando R$ 150 para cada carro guardado aqui, cobravam R$ 250 de cada comerciante daqui desse trecho da Avenida Itaoca. Tiramos eles daqui, e eles saíram atirando para o alto, de moto, e a Polícia não fez nada", disse Junior.
Um funcionário de um posto de gasolina em frente ao endereço da ocupação, que não quis se identificar, confirmou que dois homens saíram do local disparando tiros para o alto. "Eles saíram daqui de moto, foi uma confusão muito grande", contou.
Ocorrências
O Alemão possui uma Unidade de Polícia Pacificadora desde 2010. De acordo com a assessoria das UPPs, no dia da entrada das famílias no local, houve registro de tiroteio na região, e também de roubo de objetos de dentro da área da fábrica.
No dia 10 de abril, os ocupantes da fábrica iniciaram uma manifestação na avenida Itaoca, e fecharam a via na altura do cruzamento com a Estrada do Itararé. De acordo com a assessoria das UPPs, os ânimos ficaram exaltados e um policial foi atingido por uma pedrada na cabeça, lançada por um manifestante. Segundo a assessoria, eles reivindicavam solução para a situação de falta de moradia na região.
Os moradores também passam por problemas quando há tiroteios na região, algo comum nos últimos meses. "Quando há conflitos, só podemos rezar para que não aconteça nada. Felizmente, nunca aconteceu", disse Vera Lúcia Pereira, de 58 anos, que está no local desde junho. "O aluguel de R$ 300 ficou muito caro para mim. Ficava entre comer e pagar o aluguel. Aí, vim para cá", relatou ao G1.
Respostas
Em nota, a secretaria estadual de Habitação informa que no dia 01/04/2014, recebeu ofício do Poder Judiciário informando o deferimento da liminar de reintegração de posse da referida área. Por meio deste ofício, foi determinado que dois funcionários do Iterj - Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro, órgão vinculado à Secretaria de Habitação, acompanhassem a diligência, juntamente com outros órgãos governamentais.
A Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) foi notificada sobre a decisão e um planejamento de execução está sendo elaborado para o cumprimento da reintegração, porém sem data definida.
As outras entidades citadas na decisão já receberam os ofícios referentes ao caso, mas não responderam à reportagem do G1 sobre como vão proceder em relação à reintegração de posse.