O uso de forças federais na defesa do processo de pacificação das favelas cariocas, alvo de uma série de ataques do tráfico de drogas, deverá ser formalizado nesta segunda-feira numa reunião entre o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o governador Sérgio Cabral. Eles definirão detalhes da participação da União no combate às organizações criminosas que, nas últimas semanas, voltaram a investir contra as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Segundo o Ministério da Defesa, que também terá representantes no encontro, tropas federais já estão prontas para entrar em ação, mas a chegada delas às comunidades ameaçadas ainda depende de um pedido formal que o governador apresentará ao ministro da Justiça. O plano é que as tropas só deixem a cidade depois da Copa do Mundo, que terminará em julho.
Tudo isso vai ser discutido amanhã (segunda-feira). Veremos quais tropas atuarão e onde serão empregadas — diz um oficial que vem acompanhando de perto as negociações do governo federal com Cabral e sua equipe.
Uma das possibilidades é que o apoio federal seja implementado com a chegada de policiais da Força de Segurança Nacional. Uma outra hipótese, considerada a mais provável, é a mobilização de tropas mistas, formadas por homens da Força de Segurança Nacional e do Exército. Nesse caso, Cabral terá de fazer um pedido por escrito ao governo federal e reconhecer a incapacidade da estrutura do estado de fazer frente à investida das quadrilhas do crime organizado.
Governador deve fazer pedido formal
Na última sexta-feira, Cabral e o secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, tiveram uma reunião com a presidente Dilma Rousseff em Brasília para tratar da questão. Além da formalização do pedido, falta definir o contingente que será empregado. O governador tem de informar para Cardozo e representantes do Ministério da Defesa onde quer que as tropas federais atuem e por quanto tempo deseja que permaneçam na cidade.
— Está tudo pronto. As tropas deverão ser enviadas ao Rio nos próximos dias. Mas antes, é necessário o pedido formal do governador, o que ainda não foi feito — diz o assessor de uma das autoridades do governo federal que participam das negociações.
Está praticamente certo também que, no Rio, as tropas federais se limitarão a realizar um patrulhamento ostensivo. Investigações criminais e eventuais confrontos continuarão sendo atribuições exclusivas das forças policiais do estado. O ministro da Defesa, Celso Amorim, voltou de uma viagem à África no sábado e não participará da reunião com Cabral. Porém, terá um encontro com Dilma no Palácio do Planalto para tratar do assunto.
O plano de ação em favelas cariocas deverá ser detalhado às 10h no Centro de Comando e Controle do governo do estado, na Cidade Nova. A prioridade das forças de segurança, segundo fontes ligadas à equipe de Cabral, é ocupar o Complexo da Maré, onde ficam as favelas Nova Holanda e Parque União — apontadas como redutos dos traficantes que ordenaram os últimos ataques às UPPs.
Desde sábado, a Brigada de Infantaria Paraquedista está de prontidão para agir na Maré assim que for necessário. Pelo menos 120 policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) realizam operações no complexo, localizado entre a Linha Vermelha e a Avenida Brasil.
Na sexta-feira, primeiro dia de ocupação da Maré, PMs apreenderam sete quilos de maconha, três de cocaína, um fuzil, dois carregadores e uma granada. Outras quatro comunidades dominadas pela facção criminosa responsável pelos ataques também estão ocupadas por forças de segurança do estado: os morros do Chapadão, em Costa Barros, do Juramento e Juramentinho, em Vicente de Carvalho, e a favela Para-Pedro, em Irajá. Nessa última, ocorreu o maior confronto entre policiais e traficantes. Dois homens que teriam ligação com o crime organizado, segundo a PM, morreram.
No Complexo do Alemão, onde o policiamento também está reforçado, o clima era de tensão durante o fim de semana. No domingo de manhã, cerca de 300 pessoas invadiram o galpão de uma antiga fábrica na Avenida Itaóca 1.776, perto de um dos acessos à comunidade Nova Brasília. Seguindo orientações do pastor André de Souza Ramos, da Igreja Ramos de Deus, o grupo afirmou que não vai deixar o local. Seus integrantes lembraram que ocuparam o imóvel de 2008 a 2012, depois de terem deixado suas casas devido à implantação da UPP do Alemão.
Policiais que estiveram no local prenderam duas pessoas acusadas de roubo e as levaram para a 22ª DP (Penha). Comandante da UPP na comunidade Nova Brasília, o major Glauco Schorcht afirmou que não recebeu ordem para retirar os sem-teto do local. Segundo ele, a polícia vai patrulhar a região apenas para impedir que o grupo feche a Avenida Itaóca, uma das principais vias da região.
Na última quinta-feira, um grupo que havia invadido um prédio em Manguinhos foi retirado do imóvel pela polícia. Como represália, os sem-teto deram início a uma sequência de ataques às bases da PM na comunidade. Alvos de coquetéis molotov, os contêineres da UPP Arará-Mandela pegaram fogo e ficaram completamente destruídos. Simultaneamente, PMs que faziam patrulhamento em áreas próximas foram atacados por traficantes. O comandante da UPP, capitão Gabriel Toledo, foi atingido por um tiro na virilha. A ação, de acordo com investigadores, foi orquestrada.
A polícia acredita que a recente onda de ataques às UPPs foi ordenada por traficantes presos fora do estado, entre eles Marcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, que cumpre pena no presídio federal de Catanduvas, no Paraná. De acordo com o serviço de inteligência da Secretaria estadual de Segurança, a facção por trás dos ataques ao processo de pacificação está insatisfeita com a expansão das UPPs, que passaram a ocupar territórios estratégicos, como o Complexo do Alemão e a Favela do Jacarezinho. O estopim para a reação do tráfico teria sido a ocupação da Vila Kennedy, um dos últimos redutos da quadrilha na Zona Oeste.