Sob protestos, o Google faz valer a partir de hoje sua nova "política de privacidade". O assunto é candente, já que o Google é possivelmente a empresa que mais coleta, armazena e processa informações no mundo, além de estar em primeiro lugar de audiência na internet nos EUA e em muitos outros países, com seu amplo conjunto de serviços.
A empresa decidiu reunir sob uma mesma política cerca de 60 produtos diferentes. Na prática, vai fazer o que nem o governo federal norte-americano conseguiu: criar um identificador único para cada usuário, com o máximo de informações pessoais que puder coletar.
Larry Page, o co-fundador e principal executivo do Google, recebeu semana passada uma carta assinada por 39 procuradores federais. A carta afirma que a nova política "invade a privacidade do consumidor ao compartilhar informações pessoais automaticamente em outros serviços, quando o usuário insere a informação em um serviço específico".
Questionado pelo UOL se haveria alguma mudança na política prevista para começar neste 1o. de março, um porta-voz do Google respondeu que não. Disse também que essa nova política vem sendo ”amplamente” divulgada desde 24 de janeiro.
Privacidade em xeque
Os Estados Unidos vivem um período de grande preocupação com a privacidade online, dadas as recentes e surpreendentes descobertas de quantos dados pessoais certas empresas coletam, sem o cliente saber. O Google não é o único alvo das críticas. A Apple, entre outras, também está sob pressão pelas muitas falhas descobertas no seu processo de aprovação de aplicativos para iPhone e iPad.
As críticas vêm de todos os lados: do presidente dos EUA, Barack Obama, da Federal Trade Commission, do Departamento do Comércio, de várias instâncias do Poder Judiciário, de entidades de defesa do consumidor e de grupos de advogados. Vêm ainda de fora do país, em particular da Europa, tradicionalmente mais ciosa nessa questão.
Esta semana, a Comissão Nacional para Computação e Liberdades Civis da França se manifestou, dizendo que a nova política do Google não se enquadra nos padrões de proteção de dados da Europa e pediu o adiamento da implantação. A resposta do Google foi não.
Os sete direitos digitais
Num discurso, na semana passada, o presidente Barack Obama havia dito que "os consumidores americanos não podem esperar mais para ter regras claras que assegurem que suas informações pessoais estejam seguras online".
O governo Obama acaba de concluir um estudo de dois anos sobre como regular a coleta online de dados dos consumidores. O governo estabeleceu uma lista de sete direitos básicos que gostaria de ver assegurados aos cidadãos americanos. O governo também pressiona o Congresso a aprovar rapidamente uma lei de direito à privacidade.
Enquanto isto as grandes empresas de internet engordam suas equipes de advogados e lobistas, se unem para desenvolver sua própria autorregulamentação e tentam convencer o público que qualquer lei é nociva à liberdade geral. Na realidade, elas estão preocupadas em preservar sua própria liberdade de continuar criando e faturando, sem a transparência devida.
Essa não é uma opinião pessoal. É apenas uma constatação que parece consensual nos Estados Unidos hoje, exceto dentro da indústria da internet.
Minoria lê termos de uso
Uma pesquisa feita pela Universidade da Califórnia em Berkeley em 2006 constatou que apenas 1,4% das pessoas tem o hábito de ler regular e inteiramente as regras de uso de serviços online, textos geralmente longos e em letras miúdas, às vezes incompreensíveis para um leigo.
Isto significa que os 98,6% realmente não sabem quanta informação pessoal estão fornecendo para terceiros ao usar os seus serviços, muito menos como essas informações poderão ser usadas.
Uma pesquisa na Grã-Bretanha divulgada no último dia 28 pelo Big Brother Watch (www.bigbrotherwatch.org.uk) revelou que 9 entre cada 10 usuários do Google não leram a nova política. Revelou ainda que 47% das pessoas que usam regularmente serviços do Google não fazem ideia da mudança na política de privacidade.
O destaque dado pelo Google na véspera da mudança se limitou a um minúsculo link em vermelho, no pé da página inicial da busca, uma área que praticamente ninguém costuma olhar.
Muitas pessoas também não sabem que informações podem ser coletadas de seus computadores e telefones sem que elas tenham autorizado nada. Não quero fazer terrorismo, mas isto é um fato. Nos últimos meses, várias empresas tiveram de se desculpar ou mudaram de procedimento por conta desse tipo de prática, depois de vir a público que estavam copiando as agendas do celular dos clientes ou suas fotos, para citar os casos mais recentes.
O raio-x da questão
Afinal, o que o Google coleta e por que devemos nos preocupar com isso? E o que muda com a nova política?
O Google coleta muita, muita coisa. Mesmo que você jamais tenha dado seu nome ou e-mail para o Google, seu computador certamente está identificado e, no mínimo, suas atividades de busca no Google e sua navegação em sites do Google ou em sites que são parceiros de publicidade do Google estão sendo monitoradas. Exceto se você tiver se preocupado em reprogramar seu software de navegação para não aceitar "cookies".
Os velhos "cookies", que são pequenos códigos de programação inseridos no seu navegador (browser) enquanto você visita páginas na internet, são uma forma de monitorar as atividades de uma pessoa sem que ela perceba. Podem ser usados para o bem, como por exemplo para evitar que a pessoa tenha de fazer repetidos logins para usar um serviço, por exemplo.
Um grande número de empresas de internet usa "cookies" para obter estatísticas que vão afinar os seus serviços.
Mas "cookies" podem e são usados para outras coisas não previamente informadas aos navegantes, como para publicar propaganda "personalizada", por exemplo daquele produto que você andou pesquisando online. Você pode achar isso legal ou não.
Na semana passada, o Digital Advertising Alliance, que representa 400 empresas, enfim apoiou a proposta política e tecnológica chamada "Do Not Track" (http://donottrack.us), literalmente "Não Rastreie", e disse que "desejam alcançar entendimento com fabricantes de browsers para ter a solução de um só clique", defendida pelo governo Obama, "em cerca de nove meses". A prática da indústria sempre foi o chamado opt-out, isto é, permitir ao consumidor deixar de ser rastreado apenas depois que ele descobrisse que estava sendo e descobrisse também como deixar de ser.
Um login para todos acionar
Mas o Google vai muito além dos "cookies". Agora eles pretendem usar o nome que você colocou na sua conta Google em todos os serviços que requerem uma conta no Google. Ou seja, vão substituir antigos nomes ou apelidos que você usou pelo seu nome principal. E sua foto provavelmente estará lá, se você foi um dos que entraram no Google+ de junho para cá.
Notei que o Google+, feito para concorrer com o Facebook, facilita muito a publicação de fotos, por exemplo, mas não oferece recurso para se apagar algo ali. É apagar tudo ou nada.
Aqui vão mais exemplos do que o Google pode coletar:
1) Detalhes de como cada um usa seus serviços, a começar pelas buscas feitas no Google
2) Informações do seu celular, como seu número telefônico, o número das pessoas com quem você andou falando, dia, hora e duração de chamadas
3) Endereço IP (Internet Protocol Address), aquele número que se ganha quando se conecta à internet
4) Tipo de computador e navegador usados, idioma, atividades e erros ocorridos no seu computador e a que URLs (endereços de internet) eles se referem
5) Sua localização atual via sinais de GPS ou via sensores do seu equipamento que se conecta a redes Wi-Fi e/ou torres de celular.
Para os poucos que têm paciência e tempo de ler esse tipo de documento, como a nova política de privacidade do Google, está lá isso tudo.
Mas nas palavras do presidente do conselho de administração do empresa, Eric Schmidt, "quem tentar restringir a internet vai falhar". Num discurso em Barcelona no congresso Mobile World, esta semana, ele fez a defesa da "liberdade" na internet não apenas contra legislações nacionais, mas também contra a ONU. O Velho Oeste parece ter voltado a ser… o Velho Oeste!
"A internet é como água: vai achar o seu caminho", disse Eric Schmidt. Acho que ele tem toda a razão. Ainda mais nesta época em que "hackear" é sinônimo de ser inteligente e esperto, como de fato é. Mas o mesmo argumento vale para quem defende o direito à privacidade: que a sociedade ache o seu caminho como a água, sem que a internet trate o público como gado, massa de manobra ou como ignorante.
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