Marinaldo Santos, autodidata de 54 anos, nascido em Belém do Pará, expõe seus trabalhos pela primeira vez em São Paulo, na Galeria Berenice Arvani. A mostra, Marinaldo: Urbano Pop, aberta na terça, 31, já com oito peças vendidas para colecionadores, tem curadoria da crítica Aracy Amaral e reúne 40 obras que surpreendem pela inteligência visual do artista, seduzido tanto pela sintaxe pop americana - em especial a pintura de Andy Warhol - como pelo construtivismo, mas, principalmente, pelas assemblages dadaístas de Marcel Duchamp.
Warhol é uma de suas referências mais frequentes. A despeito de não ter estudado artes visuais, Marinaldo, que nasceu em família de poucos recursos, filho de um militar e de uma lavadeira, descobriu reproduções do artista americano e revisitou seu procedimento pictórico ao adotar um de seus maiores ícones, a lata de sopa de tomate Campbell''s, em várias pinturas suas. Adaptada à realidade brasileira, a lata ganha novo significado, servindo de embalagem para suco de açaí, reproduzida numa obra (técnica mista) em que Marinaldo usa a imagem dos tradicionais azulejos de Belém em contraponto visual com o moderno design da lata de sopa, reproduzida de forma obsessiva por Warhol.
Marinaldo, observa Aracy Amaral, tem com Belém do Pará uma ligação afetiva "que o faz relacionar tudo com o ambiente familiar e a paisagem local". A luz, a cor e a visualidade do subúrbio de Belém marcam presença numa obra híbrida entre pintura e escultura, em que predominam armários eternamente fechados e pintados que assumem a feição de um ready-made duchampiano ao perder sua função original.
Transfigurados, esses armários remetem às assemblages de outros artistas sem ligação formal com a comunidade artística internacional - caso do sergipano Bispo do Rosário (1911-1989), que não conhecia os "novos realistas" franceses ao agrupar colheres numa prancha de madeira (como o faz Marinaldo numa de suas caixas em tributo a Bispo). De modo semelhante, é improvável que o artista paraense estivesse pensando nos expoentes do neoplasticismo ao pintar o armário Caixa Prego, obra magna de uma mostra exemplar, que fica em cartaz até o fim do mês. Pintado como uma tela ortogonal de Mondrian, o armário é uma aula sobre a evolução da arte moderna até o advento do minimalismo.
O armário tem uma sequência de oito fileiras de pregos sobre duas portas azuis (o tom de Yves Klein) que, arranhadas na superfície, remetem ao espacialismo das telas cortadas do pintor argentino Lucio Fontana. Logo abaixo, duas outras portas cerradas formam um ?ersatz? - com a mesmas cores - do Livro criado pelo norte-americano Jasper Johns em 1957, igualmente um "objet trouvé? que reproduz um livro aberto em vermelho, amarelo e azul - encáustica sobre prancha de madeira. É uma peça de referência que sintetiza o espírito da exposição, combinando arte popular e erudita sem impor uma hierarquia.
Marinaldo não é um naïf, mas um contemporâneo que se formou vendo o trabalho de outros artistas em livros e revistas. Quando criança, vivia nos estaleiros de Belém, observando os barcos, ou lendo no interior do Museu Goeldi. As cores dos barcos e das casas estão presentes em sua pintura, especialmente o azul. "Meu pai pintava e repintava a casa com o anil, que desbotava", lembra o artista, revelando que muitos dos elementos presentes em sua pintura são reminiscências de uma infância não muito feliz, marcada pelo autoritarismo do chefe da família, sargento paraibano que usava o cinto para punir os filhos - o cinto aparece em vários trabalhos do pintor.
Ele começou a expor em 1985, aos 24 anos, mostrando santos e bichos na galeria Elf, de Belém. Já havia conquistado sua independência aos 15 anos, saindo da casa paterna para viver por conta própria. Trabalhou como entregador de jornais, operário numa fábrica de castanhas e faxineiro numa serraria, recolhendo o pó da madeira. Todo o tempo livre Marinaldo estava com um livro ou uma revista nas mãos. Foi assim que descobriu a obra de artistas brasileiros como Marcos Benjamin, quando já usava alumínio recortado, e a arte hard edge do norte-americano Frank Stella, cuja pintura-relevo causou impacto no paraense.
Porém, o que conta na arte de Marinaldo não é o conjunto dessas referências, mas a densidade de suas collages, feitas de memória afetiva - tanto a imagem de uma garça, que viu quando criança no jardim de uma casa, como os armários feitos pelo pai, em que brincava de se esconder. Nessa iconografia se destacam sobretudo o Círio e os azulejos portugueses de Belém. "Pinto para conservar a memória, pois eles estão desaparecendo das casas, roubados para serem vendidos em antiquários." Marinaldo, segundo a curadora, é a maior contribuição cultural do Pará ao Brasil desde Emmanuel Nassar e Luiz Braga. Ela o conheceu no começo dos anos 1990 e, desde então, planejava esta exposição na capital. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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