O desaparecimento do Café de Borges e Saint-Exupéry

O desaparecimento do Café de Borges e Saint-Exupéry

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:29

  O desaparecimento do Café Richmond, frequentado por grandes nomes da literatura, como Saint-Exupéry, Jorge Luis Borges, Julio Cortazar ou Graham Greene, ameaçado de ser transformado em loja de roupas esportivas, vem escandalizando a Argentina.

"Era lá que Borges relia seus textos", declarou nesta quinta-feira à AFP a viúva do escritor, Maria Kodama, fazendo um apelo às autoridades a tomar as medidas necessárias para que o café "continue a funcionar" como antes. "É meu desejo", disse ela.

Segundo Maria Kodama, um local que faz parte da história literária do país não deveria desaparecer". "É doloroso", comentou.

No centro de Buenos Aires, através das vidraças pintadas de branco para esconder a sala totalmente vazia, percebe-se, apenas, sete ou oito das famosas poltronas inglesas forradas de couro: mais de cem delas foram retiradas à noite, como as mesas Thonet de época.

"As pessoas estão em alerta: param, olham o interior e permanecem longos minutos no local", observou um policial colocado na entrada do estabelecimento, por ordem judicial.

O fechamento de surpresa, na madrugada de domingo, 14 de agosto, do café da rua Florida, eternizado em "Marella", por Julio Cortazar e em "O Cônsul Honorário" (1973) por Graham Greene, não cessa de provocar protestos.

A Nike Argentina diz "nada saber desta decisão", sem desmentir, no entanto, a intenção de instalar uma loja no lugar do café. "As lojas Nike sont cedidas por franquia", precisou a filial do grupo americano.

Não se sabe quem é o novo proprietário do local porque optou, por enquanto, em não se apresentar.

Para Teresa de Anchorena, da Comissão de Monumentos, o ministro da Cultura da Cidade de Buenos Aires, Hernan Lombardi, tinha a obrigação de intervir para proteger o Café. "Ele não o fez", lamentou ela.

O dirigente da ONG "Basta de demolir", Santiago Pusso, pensa, inclusive, em entrar com uma queixa contra Lombardi, "por ter faltado com seus deveres de funcionário".

Um local tombado Tombado pelo Estado e datando de 1917, o Richmond é um local muito caro à memória da França e sua legendária 'Aéropostale', correio aéreo. Antoine de Saint-Exupéry e Jean Mermoz tinham o hábito de se refazer das longas viagens frequentando a sala do andar térreo e jogar bilhar no subsolo.

O autor de "Vol de nuit", Voo noturno, morava a dois passos dali, num "pequeno e agradável apartamento mobiliado" da Galeria Güemes, na mesma rua Florida, como escreveu à mãe, no dia 20 de novembro de 1929.

O Richmond é, também, um patrimônio de grande valor para a Bélgica, uma vez que a decoração, com os lambris de madeira, são uma obra-prima do arquiteto belga Jules Dormal, que dirigiu também os trabalhos de construção do Teatro Colon, a ópera argentina.

Ainda há tempo de salvá-lo?

"Não se pode obrigar um proprietário a preservar um determinado tipo de negócio", escreveu Lombardi sobre o Richmond, num momento em que os defensores do patrimônio citam, justamente, uma lei que preserva a atividade dos cafés tombados.

"Os proprietários já retiraram os móveis", disse à AFP um porta-voz do ministro. "Tentamos negociar com eles", acrescentou, de forma evasiva.

Um magistrado, Fernando Juan Lima, acionado por um deputado de Buenos Aires, Maria José Lubertino, ordenou a volta da mobília, assim como uma vigilância policial permanente diante do Café.

"O que está em jogo é do interesse geral", citou uma fonte do judiciário ligada ao dossiê.

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