“Escreva num livro o que você vê e envie a estas sete igrejas: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia". (Ap 1.11)
Vamos ao contexto
Das sete cidades da Ásia, Tiatira era a de menor importância, pois não era nenhum centro político ou religioso, mas tinha alguma importância comercial por estar situada entre a Europa e a Ásia. A arqueologia revelou que em Tiatira havia muitas empresas e associações de trabalhadores.
Lá havia poucos templos e não havia muitos cultos ao imperador ou ao Estado. Alguns comércios se destacavam, entre eles o artesanato com prata, bronze e tecidos. E para tingir os tecidos, o povo de Tiatira também produzia corantes, entre eles o “corante púrpura”.
Sem cores sintéticas à sua disposição, os antigos desenvolveram corantes permanentes extraídos dos reinos animal e vegetal que produziam uma surpreendente variedade de tons.
Por exemplo, o corante amarelo era retirado das folhas da amendoeira e da casca moída de romãs, e o corante preto, da casca da romãzeira. O corante vermelho era extraído das raízes de uma planta chamada ruiva-dos-tinteiros ou do inseto do carvalho-quermes. A cor azul era obtida de uma planta chamada anileira.
Púrpura — a cor da realeza e o símbolo do status
A combinação de pigmentos de moluscos do gênero “murex” conhecidos como hexaplex trunculus e o bolinus brandaris (entre outros caramujos marinhos) podia produzir tons e cores que iam da púrpura real ao azul e ao vermelho carmesim.
Na teoria das cores, a cor púrpura é definida como qualquer cor não-espectral entre violeta e vermelho. Estudos mostram que cada molusco produzia uma quantidade tão pequena de pigmento — basicamente uma gota — que era retirada de uma glândula do pescoço deles.
O método geral de produção do corante consistia em esmagar os moluscos inteiros, ou abri-los e retirar a glândula, em seguida salgar essa massa durante três dias e finalmente ferver o conjunto em água durante dez dias. Vale mencionar que algumas espécies já foram extintas.
Hexaplex trunculus é uma espécie de caracol marinho de tamanho médio encontrada na parte norte da planície costeira de Israel, perto de Tel Shikmona. (Foto: Creative Commons)
De acordo estudiosos, era preciso uns 10 mil moluscos ou “caracol púrpura” como também era chamado, para se tingir um manto ou capa num tom escuro que pudesse ser chamado de púrpura real.
Devido à dificuldade de se obter essa cor e do alto preço do produto final, somente os reis e pessoas muito ricas podiam comprar um manto púrpura, por isso ficou conhecida como a “cor da realeza”.
O corante também tinha grande valor na Antiguidade por não desbotar, ao contrário, sua cor se tornava gradualmente mais brilhante e intensa com a exposição ao tempo e à luz do sol. Esses caramujos eram encontrados ao longo do litoral do mar Mediterrâneo e os matizes adquiridos deles variavam segundo a sua localização.
Havia uma mulher chamada Lídia, na cidade de Tiatira, que era vendedora de púrpura. Ela foi a primeira pessoa a se converter a Cristo na Europa e acredita-se que foi ela que também ajudou a fundar a primeira igreja local. Relembre aqui:
“Uma das que ouviam era uma mulher temente a Deus chamada Lídia, vendedora de tecido de púrpura, da cidade de Tiatira. O Senhor abriu seu coração para atender à mensagem de Paulo.” (At 16.14)
Provavelmente, Lídia foi uma das primeiras contribuintes para o crescimento do ministério de Paulo.
Conteúdo da carta de João à igreja em Tiatira
“Ao anjo da igreja em Tiatira escreva: Estas são as palavras do Filho de Deus, cujos olhos são como chama de fogo e os pés como bronze reluzente.” (Ap 2.18)
O “olhos como chama de fogo” indica um olhar de Jesus mais penetrante e mais cuidadoso. Sabemos que a igreja em Tiatira foi repreendida, então a chama de fogo iria arder de forma a corrigir e purificar. Por tratar-se de um julgamento, o fogo simboliza a ira divina, impulsionando ao mesmo tempo a necessidade de arrependimento. Conforme destacou Arthur Marques do Movimento JesusCopy: “Jesus não vê somente o que estamos fazendo, mas Ele enxerga as intenções do coração”.
A expressão “pés como bronze reluzente” também foi usada em Ap 1.15. Talvez, nesse contexto, haja uma referência à indústria de bronze que havia em Tiatira. Eles conheciam a aparência do bronze e a sua cor “do vermelho ao rubro” enquanto estava sendo trabalhado nas chamas refinadoras.
Eles também conheciam a aparência do “bronze polido” e o quanto era reluzente, servindo até como espelho naquela época. Perceba que cada carta dirigida a cada igreja, usava elementos que lhes eram comuns, para que compreendessem a mensagem.
Os pés de Cristo estavam como bronze reluzente na visão de João, indicando que Ele é puro, por isso, havia uma necessidade de “purificação total” por parte da igreja para alcançar a salvação. E isso só poderia acontecer através do arrependimento.
Resumindo, tanto os olhos de Jesus quanto os pés estavam indicando que Ele olharia com justiça para a igreja em Tiatira e pisaria com seus pés nos inimigos da fé cristã.
Igreja produzindo frutos, mesmo paganizada
“Conheço as suas obras, o seu amor, a sua fé, o seu serviço e a sua perseverança, e sei que você está fazendo mais agora do que no princípio.” (Ap 2.19)
Observe as quatro palavras de reconhecimento: amor, fé, serviço e perseverança. Essas eram as boas obras da igreja em Tiatira, que continuava produzindo frutos através do trabalho. Seu amor não esfriou como o dos efésios e a sua fé caminhou até a perseverança, mesmo com os problemas enfrentados dentro de um contexto pagão.
Fazendo mais agora do que no princípio — a Igreja em Tiatira apresentou um crescimento admirável das virtudes cristãs e foi a que mais apresentou uma vida significativa com Deus, embora tivesse falhado também ao ponto de ser repreendida.
“No entanto, contra você tenho isto: você tolera Jezabel, aquela mulher que se diz profetisa. Com os seus ensinos, ela induz os meus servos à imoralidade sexual e a comerem alimentos sacrificados aos ídolos. Dei-lhe tempo para que se arrependesse da sua imoralidade sexual, mas ela não quer se arrepender.” (Ap 2.20-21)
O problema de Tiatira foi tolerar os maus ensinos, desde que eles receberam na igreja uma mulher que “era como” Jezabel. Da mesma forma que a rainha de Acabe tinha apoiado as idolatrias, fazendo com que o rei pecasse, assim essa mulher começou a contaminar a igreja. Relembre a história do rei Acabe:
“Ele não apenas achou que não tinha importância cometer os pecados de Jeroboão, filho de Nebate, mas também se casou com Jezabel, filha de Etbaal, rei dos sidônios, e passou a prestar culto a Baal e adorá-lo.” (1 Re 16.31)
O cargo de “profeta” na Igreja primitiva tinha um alto conceito e eles eram mencionados por terem relacionamentos estreitos com os apóstolos. A mulher que se dizia profetisa, porém, não atuava como os profetas e nem de forma bíblica.
A função principal do profeta não era predizer acontecimentos futuros e sim alertar os líderes de acordo com o que Deus enviava como mensagem. Lembrando que a Igreja do primeiro século não possuía o Novo Testamento como nós, então os cristãos eram realmente inspirados para comunicar a Palavra.
Alguns deles, porém, simulavam, como era o caso da mulher que Deus chamou de Jezabel — uma falsa profetisa que foi apoiada pela igreja em Tiatira — ao contrário do que fez a igreja em Éfeso, que não tolerou os “falsos apóstolos” que eles chamaram de impostores.
Foi exatamente o zelo pela Palavra que fez com que Deus elogiasse os efésios e a falta de zelo a reprovar os cristãos em Tiatira. Faça agora uma retrospectiva. Perceba que em Éfeso havia “falsos apóstolos”, em Pérgamo “falsos mestres” e em Tiatira uma “falsa profetiza”.
Ensinos indutivos — o que a falsa profetisa ensinava induzia o povo de Deus a pecar. Foi o mesmo que aconteceu em Pérgamo com a doutrina dos nicolaítas. A essência do problema era sempre a mesma: doutrina.
Agora faça uma reflexão sobre as mais diversificadas doutrinas humanas que são adicionadas à doutrina bíblica e compare a Igreja de hoje com a Igreja primitiva. O tempo passou e parece que os problemas são os mesmos, mas com uma roupagem diferente.
Filhos espirituais de falsos mestres
As consequências sofridas pelos cristãos em Tiatira por seguir falsos ensinamentos dentro da própria igreja seriam graves se não houvesse arrependimento. Veja o que o apóstolo João escreveu:
“Por isso, vou fazê-la adoecer e trarei grande sofrimento aos que cometem adultério com ela, a não ser que se arrependam das obras que ela pratica. Matarei os filhos dessa mulher. Então, todas as igrejas saberão que eu sou aquele que sonda mentes e corações, e retribuirei a cada um de vocês de acordo com as suas obras.” (Ap 2.22-23)
Alguns estudiosos acreditam que Deus puniu “Jezabel” com alguma doença física, o que na época, muitas vezes era considerado como um castigo justo pelos pecados. Outros, porém, defendem que o termo “adoecer” está relacionado ao “leito”, logo tanto a profetisa quanto seus seguidores sofreriam num “leito de angústia” e o seu prazer seria transformado em dor. Eles poderiam “ser tratados” por Deus caso se arrependessem de suas obras.
Quando Jesus disse através de João “matarei os filhos dessa mulher”, significa que ela era a “mãe espiritual” daqueles que seguiam suas doutrinas e ensinamentos. Esses que eram “seus filhos” seriam punidos com a “morte” se não se convertessem para se tornarem “filhos de Deus”.
É outro caso que encontramos em nossos dias, muitos dentro da igreja não se tornam filhos legítimos de Deus, mas filhos espirituais de falsos mestres.
Recompensa ou promessa ao “vencedor”
“Aos demais que estão em Tiatira, a vocês que não seguem a doutrina dela e não aprenderam, como eles dizem, os profundos segredos de Satanás, digo: não porei outra carga sobre vocês; tão somente apeguem-se com firmeza ao que vocês têm, até que eu venha. Àquele que vencer e fizer a minha vontade até o fim darei autoridade sobre as nações. Ele as governará com cetro de ferro e as despedaçará a um vaso de barro. Eu lhes darei a mesma autoridade que recebi autoridade de meu Pai. Também lhe darei a estrela da manhã.” (Ap 2.24-28)
Os “profundos segredos de Satanás” foi um termo usado por João apontando para o gnosticismo, que era um conjunto de crenças de natureza filosófica e religiosa cujo princípio básico era a ideia de que há em cada homem uma essência imortal que transcende o próprio homem.
O gnosticismo ensinava que para derrotar Satanás era necessário entrar na sua fortaleza, ou seja, ter profunda experiência com o mal. Tudo indica que os ensinos da falsa profetisa tinham essa base.
Quando João escreveu “apeguem-se ao que vocês têm”, ele estava dizendo que os ensinos dos apóstolos deveriam ser valorizados, em vez de acrescentarem uma nova lista de regras e doutrinas.
“Autoridade sobre as nações” remetia a uma promessa de Deus, de que os justos governarão as nações junto de Cristo e que eles herdarão a terra.
O “cetro de ferro” é o símbolo que descreve o governo de Cristo. Veja:
“Pede-me, e te darei as nações como herança e os confins da terra como tua propriedade. Tu as quebrarás com vara de ferro e as despedaçarás como a um vaso de barro". (Sl 2.8-9)
“De sua boca sai uma espada afiada, com a qual ferirá as nações. Ele as governará com cetro de ferro. Ele pisa o lagar do vinho do furor da ira do Deus todo-poderoso.” (Ap 19.15)
Na Septuaginta (texto grego) a palavra que traduz o hebraico do verbo “quebrar” ou “despedaçar” basicamente significa “apascentar um rebanho” e tem também o sentido de governar com ideia de proteção e preservação.
“...pois o Cordeiro que está no centro do trono será o seu Pastor; ele os guiará às fontes de água viva. E Deus enxugará dos seus olhos toda lágrima". (Ap 7.17)
Despedaçar como um vaso de barro dá um sentido de punição, afinal o estabelecimento efetivo do Reino de Deus não acontece sem a destruição de todos os poderes hostis e a eliminação dos maus. A essência do texto deixa claro que os seguidores de Cristo participarão de Seu triunfo sobre as nações rebeldes.
Já o termo “estrela da manhã” tem relação com o próprio Cristo. Há textos que sustentam essa ideia:
“Eu o vejo, mas não agora; eu o avisto, mas não de perto. Uma estrela surgirá de Jacó...” (Nm 24.17)
O termo “lhe darei a estrela da manhã” pode parecer estranho para alguns estudiosos quando entendem que “Jesus será dado a alguém como prêmio”, mas não é isso o que o texto quer dizer. No contexto, os fieis receberão Dele a autoridade para governar sobre as nações, ou seja, estando “com a estrela da manhã” eles partilhariam desse poder.
O cristão verdadeiro saberá discernir a voz do Senhor em meio a tantas vozes que ecoam neste mundo. O certo é que o fim vem, e com ele o juízo sobre toda a carne, e sobre a terra, mas bem aventurado aquele que lavou suas vestes e tem o direito a entrar na Nova Jerusalém pelas portas.
Que igreja nós queremos ser?
Éfeso tinha doutrina sólida, mas havia perdido o seu primeiro amor. Esmirna era pobre fisicamente, mas muito rica na fé, por isso foi consolada em vez de repreendida. Pérgamo manteve a fidelidade e não renunciou à fé em Cristo, porém se prostituiu espiritualmente. Tiatira tinha pouca doutrina e pouco conhecimento, mas apresentou frutos através das obras, com amor, fé e perseverança.
Perceba que todas as igrejas apresentavam seus problemas, mas Jesus mostrou suas qualidades também. Precisamos buscar equilíbrio através do que aprendemos com as cartas escritas pelo apóstolo João e nos tornarmos melhores cristãos. Precisamos conhecer as doutrinas básicas para não sermos levados por qualquer vento de doutrina.
Precisamos de maturidade, equilíbrio e domínio próprio para fazer a diferença na sociedade atual. A Igreja precisa cumprir o seu papel.
“Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus”. (Mateus 5.16)
E esse foi o estudo desta semana. Espero ter tirado sua dúvida e também colaborado para seu crescimento espiritual. Beijo no coração e até a próxima, se Deus quiser!
Por Cris Beloni, jornalista cristã, pesquisadora e escritora. Lidera o movimento Bíblia Investigada e ajuda as pessoas no entendimento bíblico, na organização de ideias e na ativação de seus dons. Trabalha com missões transculturais, Igreja Perseguida, teorias científicas, escatologia e análise de textos bíblicos.
*O conteúdo do texto acima é de colaboração voluntária, seu teor é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
Leia o artigo anterior: Entenda o que Jesus disse às 7 igrejas de Apocalipse: Pérgamo
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