Certa vez fui escalado para compor uma equipe que filmaria a Serra do Mar. Éramos então uma equipe de três, o piloto do helicóptero, o cameraman e eu, que iria dirigir as cenas, enquadramento das tomadas, os melhores ângulos. Missão emocionante e ao mesmo tempo desafiadora.
Emocionante porque as paisagens da Serra do Mar são de tirar o fôlego, representa a maior porção contínua preservada de Mata Atlântica no Brasil. Desafiadora porque eu nunca havia voado de helicóptero. Apreensão, ansiedade e expectativa se misturavam nas emoções que tomavam conta de mim.
Chegamos no local de embarque. Entramos no helicóptero, a cabine era uma bola de vidro, víamos tudo pra cima, pros lados e pra baixo. Decolamos, coração decolou junto, as batidas foram se acelerando na mesma velocidade da máquina. Impressionante olhar a cidade de São Paulo de cima e tão pertinho, pois do avião ficamos bem mais altos e limitados a uma janelinha.
O campo de visão era imenso, por conta da bola de vidro representada pela cabine, mas o medo também foi bem imensamente perturbador. Eu tremia a-pa-vo-ra-do-! Definitivamente não nasci pra ser esses executivos e empresários que andam de helicóptero todo dia, não! E nosso vôo estava apenas começando, ai, ai, ai...
Foi então que o piloto disse: Dá uma olhada em direção a Serra do Mar, lá o tempo está fechado com possibilidade de chuvas, quer continuar ou prefere abortar a missão? Se abortarmos agora a empresa que aluga o helicóptero vai cobrar apenas dez minutos de vôo, ficando ainda um crédito de duas horas e cinquenta minutos, tempo suficiente pra fazermos as filmagens num dia de tempo bom.
Não vacilei! Abortei na hora! Pousamos, respirei aliviado. Fui até meu carro e regressei a Campinas. Chegando, fui direto a produtora, relatei o ocorrido e disse: Sem chance pra mim, ainda bem que o piloto sugeriu abortar a missão. Quando for programada nova data, já escala outro pra dirigir as filmagens, não dá pra mim...
Lembrei deste fato porque a palavra aborto foi uma das mais citadas nos últimos dias. Exatamente a palavra que o piloto usou. Então me peguei pensando, lá em cima, no ar, tinha vida e tinha medo de que aquela máquina caísse, mais que depressa quis abortar a fim de preservar a vida. Por outro lado, o aborto de bebês cessa a vida, mas os bebês, diferentemente de mim, não têm voz para dizer “abortem o aborto”!
Sei que o tema é complexo, cheio de nuances, traumas, violências, abusos, em última instância, cheio das mais terríveis consequências do pecado. E o pecado, em última instância, mata. Abortei um vôo para preservar a vida. Abortam seres humanos que nunca terão a chance de fazer o vôo que fazemos, o vôo da vida.
Triste sociedade. Tristes caminhos. Lamentáveis escolhas. É a maior causa de morte em todo o mundo, mais que as epidemias, mais que as guerras, são mais de 40 milhões de abortos por ano. Não dá para conviver normalmente num cenário desses. A vida sempre vai pedir passagem. A vida humana é sagrada, a morte, por outro lado, desde o Éden é uma intrusa.
Abortei em dez minutos aquele vôo, ainda hoje agradeço por poder pisar em terra firme. Afinal, o mal e seus riscos precisam ser abortados, a vida não. O desprezo pelos indefesos precisa ser abortado, a vida não. O egoísmo, a luxúria, a decadência, precisam ser abortados, a vida não.
Sim, eu abortei aquela missão em dez minutos, mas para se findar uma vida basta um segundo, num piscar de olhos se bate um carro provocando acidentes fatais. Numa fração de segundos muitas vidas encontram seu final. Não espere nem dez minutos, não fique patinando em dúvidas que discursos progressistas tem despejado em muitas cabeças. Diga não a tudo isso, pois definitivamente, morte não, vida sim.
Edmilson Ferreira Mendes é escritor, pastor, teólogo, observador da vida.
* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
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