A bifurcação

A bifurcação

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:05
bifurcaçãoUma vida que se constrói de cima para baixo cria homúnculos; gente que vive a reivindicar direitos. Pessoas menores do que se imaginam – liliputianos – só conjugam verbos na primeira pessoa do singular. Nanicos se gastam em alardear o potencial que deliram possuir. Promotores de si abraçam a filosofia pernóstica do se eu não me valorizar, ninguém me perceberá. Apesar de pintores de rodapé, eles amam as vitrines, adoram as luzes da ribalta e, constantemente, reclamam louvores.
 
Uma vida consumida em amargura deixa a alma absinta – eternamente a lamentar de tudo e de todos. Deus, a genética, o sistema, o governo, o patrão, qualquer um serve como espantalho onde se projetam as responsabilidades pela má sorte que ele se diz vítima. Sem qualquer apego à justiça, o hipocondríaco espiritual reclama até de não desfrutar os processos que premiam o ímpio.
 
Uma vida orientada por suspeita contamina as relações, nivelando o outro por suas deficiências, nunca por suas virtudes. Ele acha  que cavilação, falcatrua e logro constituem a natureza básica de todos. Para o duvidoso, todos são ambíguos: o gênio plagia, o próspero rouba, o afamado dissimula. Os pecados que mancham eles próprios são, contudo, meras imaturidades. Especialista em remover argueiros dos olhos alheios,  tal clínico lida muito bem com suas traves. Ensimesmado, ele não quer proximidade com ninguém – expor os pés de barro é risco medonho.
 
Os sacerdotes da taciturnidade não cantam, não riem, não brincam. Também são donos de lágrimas postiças. Astros cênicos, controlam bem as emoções. Todavia, quando alguém brinca, eles se inquietam com tamanha superficialidade. Se há lamento, eles se enojam por terem de aturar melindres tão à flor da pele. A estabilidade emocional desse povo que sabe controlar inclusive o ritmo cardíaco, amedronta. Eles seriam capazes de testemunhar atrocidades sem mexerem um músculo, ou de verem corpos pulverizados com cal em uma vala sem qualquer indignação.
 
Só existe vida no vórtice das emoções, na fronteira da loucura ou no horizonte improvável da fé. Os verdadeiramente vivos ardem na fogueira da paixão – eles não têm a vida por preciosa. A bifurcação que separa medíocres e nobres não fica muito longe na estrada da vida. No caminho da existência, as decisões chegam de instante em instante e nesse átimo, os destinos vão se desenhando.
 
Soli Deo Gloria
 
 
- Ricardo Gondim
 

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