Considerações sobre o amor

Considerações sobre o amor

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:04
amorQuem ama colore o vento, perfuma o sol, tempera as horas. O amor forja afeto, previne cinismo, fortalece benignidade. Amantes não se contentam com o cogitum definindo nossa humanidade. Imersos na graça, eles são sentimento puro. Os afetuosos, arbitrários na generosidade, transpõem os limites da lei. Discrição e amor partilham da mesma estrada. Afáveis conseguem se tornar mais eloquentes do que a solidão que tenta emudecê-los. O amor é maior que a fé, mais vigoroso que a esperança e mais contundente que a racionalidade.
 
Quem ama, espera e suporta a tortura das ausências. Saudade é nome para o buraco que o tempo cavou na alma e não encontrou quem o preenchesse. Amantes são ingênuos. Deixam-se enredar e mal sabem que os cordéis do amor não se esgarçam facilmente. Ao desdenharem do suplício de serem abandonados, padecem em alpendres, diante de álbuns, nos cheiros. Nos atos falhos da alegria, o ternos nivelam o fosso em que se meteram devido a dor do abandono. O amor não se protege e nem protege.
 
Quem ama obedece sem ser ordenado, cumpre sem ser requisitado, aceita sem ser forçado. Quando disputam com o objeto do seu cuidado, não se importam em chegar por último – embora sejam sempre vencedores. O amor cria vassalos altaneiros. Reis e rainhas se vulnerabilizam, próximos do filho, filha, da irmã, da noiva. Eles abrem mão de prerrogativas reais que os autorizariam usar força. Amar é ceder lugar, dividir jugo, lavar pés.
 
Quem ama perde medo. Os afetuosos desdenham o que ameaça seus sentimentos: tempo, abismo, acaso. Para quem ama, o ócio nunca parece pecado. Os afáveis consideram ganho, uma tarde na beira da praia para ver o por-do-sol, uma semana entre os pobres ou um mês investido entre dependentes químicos. Doar-se em alguma clínica odontológica no coração da África nunca é sacrifício.
 
Quem ama transgride. Os amigos são paradoxais. Pelo objeto do amor, desdizem o que um dia afirmaram categoricamente. Rasgam a lei para evitar um apedrejamento - se necessário, até a divina. Misericordiosos, perdem o receio de passar por tolos. Não têm vergonha de abraçar a prostituta indigna, de perdoar o ladrão contumaz, de apostar no covarde ou de repartir a ceia com o traidor.
 
Quem ama sofre. Amor e paixão partilham de uma mesma raiz. Não existem amantes tranquilos. O amor abre frestas em armaduras. No verbo amar, descansa a recusa de manipular. Os amorosos sonham com retornos pródigos. Nunca traem. Riscam a infidelidade de suas lógicas. Quem se atreve a amar se expõe a rejeições.
 
Amamos nossos filhos para que nos deixem um dia, nós os cobrimos de cuidados para prepará-los para a autonomia. Regozijamo-nos com suas alegrias, seus sucessos são os nossos, seus sofrimentos nos ferem pessoalmente. Ele não nos pertencem, não nos devem nada e vão nos deixar quando chegar o momento. Na fragilidade do homem pequeno, o amor lê sua própria fraqueza, seu caráter mortal: ele mesmo é uma delicada centelha de vida, pronta para ser acesa. Amar assim é consentir em perder o outro,mesmo que isso implique nossa infelicidade – nada é mais triste do que uma casa de família sem família -, é emancipá-lo de nossa custódia, não investi-lo do mandato impossível: a reciprocidade. ‘Ser amado é passar, amar é durar’ (Rilke)*. 
 
Quem ama conversa com as estrelas. Para os que se entregam, as paredes ouvem. Só eles gostam de monologar diante de espelhos. Insistem em escrever cartas de amor ridículas – que jamais poderiam ser publicadas. Eles enxergam beleza em véus encardidos, folhas secas, águas paradas, prados amarelecidos, dias chuvosos, pardais cinzentos, grãos de mostarda.
 
Quem ama nota Deus no rosto do pobre. O amor torna qualquer ambiente agradável. O anjo da guarda, que rodeia os amantes, não voa e nem ostenta força. Sua missão consiste em zelar pelos corações compassivos. O amor é dom que precisa de proteção.
 
Quem ama conhece a Deus e é nascido de Deus.
 
Soli Deo Gloria
 
 
*Brucker, Pascal – O paradoxo amoroso, Editora Difel, São Paulo, p. 89
 
 
- Ricardo Gondim
 

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