O Transtorno do Espectro Autista, conhecido como TEA, afeta as habilidades de interação social, de comunicação e gera repetição de comportamentos padronizados.
No Brasil, estima-se que mais de 2 milhões de brasileiros tenham o transtorno. O cálculo se baseia em estudos do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), agência pública de saúde dos Estados Unidos.
Com o crescente número de diagnósticos no país, preparar a igreja local para tornar seu ambiente mais acolhedor para esse público se tornou uma tarefa urgente.
Embora extensas pesquisas tenham tentado isolar a base neuropsicológica deste transtorno complexo, sua causa ainda é desconhecida.
Pensando nisso, psicólogas deram dicas de como as igrejas podem agir e esclareceram pontos importantes do assunto.
Importância do preparo da igreja
É comum que crianças atípicas sofram preconceito dentro da igreja, devido ao comportamento, que na maioria das vezes é involuntário da própria criança e do adulto.
Então, levar informação é fundamental, e isso pode ser feito por meio de palestras e treinamentos onde todos os líderes devem estar inseridos.
Em entrevista ao Guiame, a psicóloga Daniela de Almeida Souza Cruz explicou que esse trabalho é feio em conjunto com a família. Ela explicou algumas medidas que a igreja pode adotar para tornar seu ambiente mais acolhedor para pessoas com espectro autista.
“Materiais adaptados e de fácil linguagem, não só beneficiam pessoas com autismo, mas beneficiam a todos. Todas as crianças serão beneficiadas com um material didático acessível, mais explicativo e interativo”, disse ela ao Guiame.
E continuou: “Isso é um ganho não só para a pessoa com autismo, mas também para todos que ali estão, porque a inclusão não é eu fazer alguma coisa para uma pessoa específica, mas eu incluir naquilo que eu já estou fazendo todas as pessoas. Inclusão é fazer com que todo mundo faça parte da mesma atividade, tarefa e contexto, sendo acessível a todos. Não é eu adaptar uma coisa para quem tem autismo, enquanto as outras pessoas fazem coisas diferentes, mas é eu trazer para perto todo mundo”.
“Isso é um trabalho coletivo de toda a igreja, a gente não pode achar que esse trabalho vai ser feito na salinha. Mas é desde quando a família entra na igreja. Essa inclusão precisa acontecer desde a porta até todos os âmbitos. A igreja precisa falar a mesma linguagem em todos os ambientes”, acrescentou.
Caroline em atendimento. (Foto: Arquivo pessoal/Concedido ao Guiame)
Como evangelizá-los?
Caroline Silva dos Santos, de 29 anos, é Terapeuta Ocupacional (TO) e conversou com o Guiame sobre a melhor maneira de ensinar o Evangelho para crianças autistas.
De acordo com ela, depende do grau de compreensão de cada um, pois devido ao espectro, cada caso é um caso.
“Em geral, usar linguagem simples, de fácil entendimento; utilizar imagens, fotos e vídeos. É importante ter cuidado com a forma de falar. Muitos autistas são superdotados e têm muito boa compreensão sobre diversos assuntos. Nestes casos, se fala normalmente, como com qualquer outra pessoa neurotípica. Em casos de pouca compreensão, a linguagem simples e direta, por vezes com auxílio de imagens, é suficiente”, disse ela.
O pedagogo, Gabriel Murilo, acrescentou: “Cada espectro é único, cada criança autista tem uma peculiaridade. O segredo é você conhecer a criança, escolher o tipo de imagem, sempre que possível escolher imagens mais realistas”, explicou Gabriel ao Guiame.
“Exemplo, se fosse falar da arca de Noé, evitar imagens estilizadas de desenho, usar imagens realistas para ajudar a criança a entender que está se tratando de animais reais. Evitar figuras de linguagem, ditos populares e jargões, porque alguns autistas têm o pensamento muito concreto e literal”, acrescentou.
“Jesus usava muito parábolas. Ele sabia com quem Ele estava falando e as pessoas que Ele queria acessar. Então, Ele mudava a linguagem dele para atrair as pessoas. Não tem como trabalhar com pessoas com autismo se eu não adaptar a minha linguagem para isso. Isso vai requerer trabalho, tempo, paciência e estudo. Na própria Bíblia nós temos exemplos de Jesus fazendo isso”, destacou Daniela.
Caroline observou que no caso das crianças autistas, ter um monitor sempre atento às suas necessidades, mediando as atividades com outras crianças, auxiliando nas tarefas e prevenindo possíveis crises é muito importante.
“No caso de crises, o ideal é ter um espaço preparado, com menos estímulos visuais e auditivos, propiciando uma acomodação sensorial para regulação do sistema nervoso da criança. Este espaço também pode ser usado por autistas adultos em casos de sobrecarga sensorial”, concluiu ela.
Angélica, o líder de inclusão da igreja, seu esposo André e Elisa. (Foto: Arquivo pessoal/Concedido ao Guiame)
Testemunho
Ao se relacionar com essas famílias, os cristãos devem ter em mente que existe cansaço, renúncia, resiliência, amor, cuidado, e acima de tudo, o desejo de ser compreendida e respeitada.
Angélica Cruz testemunhou sua experiência em priorizar um bom acolhimento para sua filha Elisa, que é autista.
A mãe enfrentou um processo difícil, até encontrar uma igreja que atendesse às suas necessidades.
“Estávamos insatisfeitos por estar em uma igreja que não tinha um lugar adequado para minha filha. Ela não entrava para fazer as atividades com as crianças, ela gostava de estar com elas mas não sabia como se inserir no meio delas e não tinha nenhum trabalho específico para que ela pudesse interagir”, contou ela.
“Nós estávamos extremamente cansados devido a nossa rotina de vida e chegava no culto, a gente não tinha nenhum suporte para conseguir sentar e ouvir a Palavra. Estávamos tristes e isolados pela igreja. Desesperançosos achando que nossa vida ministerial estava enterrada”, acrescentou.
Angélica e o marido André, queriam uma igreja onde Elisa aprendesse o Evangelho. Tempo depois, Deus lhes direcionou a um novo templo.
“Quando nós chegamos na igreja era um culto com a temática autista. Ela chegou e correu até o altar, abriu os braços e começou a adorar. E desde então, estamos lá. A Elisa é muito amada, nós fomos muito bem acolhidos”, relembrou Angélica.
“Elisa participa de tudo e tudo de uma maneira inclusiva. As lições da Elisa da igreja são todas adaptadas, ela é ministrada e se sente parte daquela igreja”, afirmou a mãe.
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Elisa chegou na igreja sem falar. Hoje, ela fala, canta, dança e adora. Seus pais agradecem a Deus pelos avanços e por todas as pessoas que fazem esse trabalho acolhedor.
“Temos oito autistas hoje na igreja, fora os que estão chegando. Hoje, somos exemplo para outras famílias atípicas. Enquanto eu e meu esposo estamos servindo em nossos ministérios na congregação, temos uma equipe que trabalha aos cuidados da Elisa, uma igreja que zela pela vida dela desde a recepção até o culto kids. É um amor e trabalho em conjunto”, afirmou Angélica.
E continuou: “Eu louvo a Deus por esse trabalho e por este ministério, porque quando eu achei que tudo estivesse acabado para mim, que eu não tinha mais possibilidades de fazer mais nada na casa do Senhor, Deus abriu essa porta através da igreja”.
“Nós ganhamos vida de volta, hoje a nossa dinâmica familiar é muito diferente. Hoje, estou vivendo o melhor de Deus em minha vida. Somos amados, respeitados e incluídos. Tenho tranquilidade em ir para a igreja e ver minha filha feliz porque ela se sente em casa. Isso não tem preço, não tem nada mais valioso do que uma igreja acessível”, acrescentou ela.
Nesse espaço de um ano após a mudança da igreja, a evolução da Elisa relatada pelos psicólogos é gigantesca.
“Hoje eu posso dizer que existe cura para o autismo, a cura se chama amor. A cura para o autismo se chama comunidade cristã, família da fé. Se nós encontrarmos um lugar que tenha essas características, você pode ter certeza que essa família vai se desenvolver e essa criança vai muito além das expectativas médicas. Então eu só agradeço a Deus”, concluiu.
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