Medida proíbe contato de missionários com Yanomamis

Para especialistas, a proibição é inconstitucional e o Estado Brasileiro está ferindo a liberdade religiosa.

Fonte: Guiame, com informações de Gazeta do PovoAtualizado: segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023 às 15:26
Indígena. (Foto Representativa: Flickr/Agência Senado)
Indígena. (Foto Representativa: Flickr/Agência Senado)

Uma “proibição inconstitucional” vedou o acesso de religiosos às aldeias onde vivem os Yanomamis — indígenas da floresta amazônica, que ficam na fronteira entre Venezuela e Brasil. 

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério da Saúde, em portaria conjunta, publicada em 1º de fevereiro, proibiram a entrada dos missionários e qualquer uso de imagens com referências à religião.

“É terminantemente proibido o exercício de quaisquer atividades religiosas junto aos povos indígenas, bem como o uso de roupas com imagens ou expressões religiosas”, diz o item IV da portaria em um dispositivo sobre proselitismo religioso.

O documento, conforme o Gazeta do Povo: “Terá vigor enquanto durar o estado de emergência decretado no dia 20 de janeiro por conta da situação dos Yanomamis e tem como objetivo estabelecer normas de conduta nas terras indígenas.

Ataque à liberdade de religião no Brasil

“A portaria viola tanto a liberdade religiosa como a autonomia cultural indígena, e poderia ser enquadrada como crime na lei contra o racismo, que prevê pena para quem praticar discriminação por religião”, disse o professor de Direito Constitucional André Uliano.

Segundo ele, o Estado não pode impedir o proselitismo religioso, que faz parte da liberdade de expressão religiosa, em entendimento já consagrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “Quem decide se haverá proselitismo religioso na região são os indígenas, não o governo”, observou. 

Com a nova medida, os Yanomamis que se converteram ao cristianismo, por exemplo, não poderão receber atendimento de ministros da fé, o que é inconstitucional.

Para Uliano, não ser impedido pelo Estado de receber atendimento religioso é um direito absoluto. “A Constituição obriga inclusive que estabelecimentos de internação tenham atendimento religioso, como no Exército ou nas prisões, por exemplo”, ele ressaltou. 

‘O Estado está interferindo na religião’

Para o advogado Miguel Vidigal, diretor da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp), a proibição do contato dos religiosos com os Yanomamis é uma “intolerância religiosa praticada pelo Estado Brasileiro, que atinge não somente os missionários, mas sobretudo os indígenas que, proibidos de praticar toda e qualquer atividade religiosa, se veem desamparados da própria liberdade”.

O advogado Thiago Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), explica que o proselitismo é vital para as religiões em que os fiéis crêem haver um chamado universal de Deus à conversão das pessoas. 

“Elas têm como objetivo levar essa verdade para todo o mundo. Não são religiões para um grupo de pessoas, para um local, para uma região, para uma comunidade e em um espaço de tempo. Não existem limitações para essas religiões. A ideia central delas é cobrir o mundo e levar sua mensagem para todos”, disse. 

A portaria, segundo Vieira, tem várias inconstitucionalidades: “Ela viola todo o plexo de direitos da liberdade religiosa e da liberdade de crença, além, por fim, de ser uma violação ao próprio Estado laico, à laicidade estatal, porque é uma interferência do Estado dentro da religião. Ela está dizendo o seguinte: você não pode fazer o que a sua religião nasceu para fazer”. 

Crime de racismo?

Ao serem procuradas pela equipe de jornalismo da Gazeta do Povo, a Funai e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde não responderam, conforme explica o veículo. 

Não houve, portanto, esclarecimentos sobre a portaria que proíbe o contato de religiosos com Yanomamis. 

Os jornalistas querem saber se a medida não caracteriza preconceito contra religiosos, enquadrável no crime de racismo. Eles também questionam se o uso de camisetas com imagens religiosas ou até um crucifixo, por acaso, agravaria a tragédia já observada nas terras dos indígenas. 

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