MP-SP pretende proibir expressão "sob a proteção de Deus" nas câmaras municipais

O órgão já tomou medidas legais contra as câmaras municipais de Araçatuba, São Carlos, Engenheiro Coelho, Itapecerica da Serra e agora São José do Rio Preto.

Fonte: Guiame, com informações da Gazeta do PovoAtualizado: segunda-feira, 15 de janeiro de 2024 às 13:01
Fachada da sede do Ministério Público de São Paulo. (Foto: MP-SP)
Fachada da sede do Ministério Público de São Paulo. (Foto: MP-SP)

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) pretende proibir que as câmaras municipais do estado utilizem a expressão "reunidos sob a proteção de Deus" e outras práticas religiosas.

De acordo com o MP-SP, tais condutas, que fazem referência a Deus ou à leitura da Bíblia, são consideradas inconstitucionais e violam o princípio da laicidade do Estado.

Além disso, argumentam que esses costumes são voltados exclusivamente aos cristãos, excluindo outras crenças como as praticadas por judeus e muçulmanos. O MP-SP já tomou medidas legais contra as câmaras municipais de Araçatuba, São Carlos, Engenheiro Coelho e Itapecerica da Serra.

A cidade de São José do Rio Preto agora é alvo das ações do Ministério Público de São Paulo (MP-SP). Na petição apresentada contra a Câmara de Vereadores local, o MP-SP argumenta a inconstitucionalidade da frase "reunidos sob a proteção de Deus" utilizada antes do início das sessões legislativas.

O documento destaca que o Estado deve manter absoluta neutralidade e evitar adotar “posturas em benefício ou em detrimento das diversas igrejas ou religiões”.

Na ação movida contra São José do Rio Preto, o MP-SP fundamenta sua posição em decisões anteriores, iniciadas pelo próprio órgão e julgadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Nos documentos apresentados, destaca-se, por exemplo, o entendimento do TJ-SP que considerou inconstitucionais a invocação do nome de Deus e a leitura de trechos da Bíblia anteriormente adotadas pela Câmara Municipal de Itapecerica da Serra.

Na decisão contra Itapecerica da Serra, o Tribunal de Justiça valida o argumento apresentado por Mário Luiz Sarrubbo, procurador-geral de Justiça de São Paulo, na petição inicial. Naquela ação, Sarrubbo destacou que, em sua visão, “não compete ao Poder Legislativo municipal criar preferência por determinada religião – como o faz pela instituição da leitura de um versículo de um dos Livros da Bíblia Sagrada e a invocação da proteção de Deus sobre os trabalhos”.

O procurador-geral ainda acrescentou que tais ações seriam direcionadas "exclusivamente aos cristãos", o que, para ele, contraria a laicidade do Estado brasileiro.

Laicismo e laicidade

“Essa ação é absurda sob os diversos ângulos da confusão que se faz entre laicidade e laicismo. O Brasil, pela sua Constituição, é um país laico e não laicista. Não rejeita as religiões e nem a elas é indiferente”, afirma o advogado Igor Costa, mestre em Direito Constitucional.

A laicidade, conforme estabelecida na Constituição, posiciona o Estado de forma neutra em relação às religiões, promovendo o respeito a diversas crenças e correntes de pensamento, sem proibir a manifestação pública de qualquer uma delas. Em contraste, o laicismo combate a expressão pública de qualquer crença, infringindo assim o direito constitucional à liberdade religiosa.

No contexto brasileiro, como a maioria da população é cristã ou tem alguma relação com crenças religiosas, é comum o uso de símbolos religiosos ou expressões de textos considerados sagrados. “A tentativa de retirar as expressões religiosas e a religião do espaço público é igualmente laicismo e, portanto, inconstitucional”, afirma.

A Câmara Municipal de São José do Rio Preto, ao solicitar o arquivamento da ação, apresentou argumentos que destacam a distinção entre laicismo e laicidade. O documento do município considera a relação entre religião e cultura brasileira.

“Não há como negar – vale o exemplo –, a esse respeito, a marcante contribuição do catolicismo para a formação espiritual, moral e cultural do povo brasileiro. Símbolos dessa ordem, prossegue Peter Häberle, que dizem frequentemente mais sobre o espírito de um povo do que algumas normas jurídicas”, cita o documento.

Uma pesquisa do Datafolha de 2020 revelou que 81% dos brasileiros se identificam como cristãos, com uma divisão de 50% para os católicos e 31% para os evangélicos. O dado favorece o uso de expressões e símbolos cristãos pelos brasileiros, inclusive em instituições públicas. Os símbolos fazem parte da identidade da própria população e da tradição do país.

Expressão consta no preâmbulo da Constituição Federal

Segundo Costa, o Estado deve aceitar a pluralidade de religiões, incluindo a proteção das práticas das religiões minoritárias. Simultaneamente, ele argumenta que é natural que a religião majoritariamente seguida pela sociedade tenha destaque na esfera pública.

“A perseguição à religião é laicismo e não laicidade. A maioria da Casa Legislativa local, que expressa a vontade do povo, optou pelo uso da expressão religiosa. Isso em nada viola o direito dos não religiosos ou dos de religiões diversas”, detalha.

 A defesa do Legislativo de São José do Rio Preto argumenta que a expressão de invocação ao nome de Deus adotada é genérica, abrangendo todas as religiões, e tem o propósito de homenagear os aspectos culturais, sociais e religiosos que constituem o Estado Brasileiro.

Eles destacam que expressões semelhantes são adotadas pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal e até mesmo no preâmbulo da Constituição Federal.

Além disso, para a Câmara Municipal está claro que a questão não possui relevância jurídica, pois não impede a participação de qualquer cidadão nas questões políticas municipais.

“Se essa norma for considera interna corporis não deve haver uma intervenção indevida de outro poder”, afirma Igor Costa.

O advogado argumenta que, além das questões conceituais discutidas, é preciso avaliar se é apropriada ou não a intervenção do Judiciário nas decisões do Poder Legislativo municipal.

Ele destaca que o Supremo Tribunal Federal (STF) já estabeleceu que a Justiça não deve exercer controle de constitucionalidade sobre normas internas de casas legislativas, justamente para preservar a separação de poderes.

Segundo a Gazeta do Povo, por nota o MP-SP confirmou a postura adotada no caso, apoiando-se em decisões do TJ.

“O MPSP informa que a obrigatoriedade prevista em Regimentos dos Legislativos municipais de se recorrer a expressões de cunho religioso para abrir as sessões contraria o princípio da laicidade do Estado, inscrito na Constituição, conforme atestam as reiteradas decisões do Órgão Especial do Tribunal de Justiça nesse sentido. O Ministério Público não se opõe, evidentemente, a que cada parlamentar, em virtude de suas convicções pessoais, faça menções desta natureza.”

A Câmara Municipal de São José do Rio Preto não se manifestou sobre o caso.

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