O caos generalizado se espalhou pelo Afeganistão agora que o Talibã assumiu o controle do país, incitando o medo entre as minorias religiosas, incluindo os cristãos que estão preocupados com o aumento da perseguição.
A International Christian Concern (ICC), uma organização cristã que monitora a perseguição, conversou recentemente com um líder de uma igreja afegã sobre os enormes perigos que as pessoas de fé enfrentam no país devastado pela guerra.
O líder deu uma entrevista anonimamente explicando que o Talibã “tem uma grande influência” sobre as pessoas em termos de obtenção de informações. “Eles querem estar seguros”, disse.
“Eles querem ser protegidos, então, se vierem para minha área, direi tudo o que sei para que, quando o Talibã vier, de alguma forma poupem minha família. Só assim eles não me machucam”, continuou.
Combatentes do Talibã assumem o controle do palácio presidencial afegão em Cabul, capital do Afeganistão, após o presidente Ashraf Ghani fugir do país em 15 de agosto de 2021. (Foto: Zabi Karimi/AP)
O controle nas mãos do Talibã
Segundo o líder, alguns cristãos não podem nem mesmo confiar em seus próprios familiares. “O Talibã chega na área da mesquita, pergunta quantos membros da casa fazem parte dela e eles anotam o nome de todas as pessoas que moram lá”, informou.
Em lugares como o norte do Afeganistão, o Talibã controla algumas das áreas e impõem suas regras. A barba, por exemplo, é obrigatória para os homens. Os talibãs vão às casas, pedem comida e dinheiro”, revelou o líder.
E quem não aderir às reivindicações dos militantes corre o risco de ser morto. “Definitivamente, eles vão matar alguns dos cristãos que são conhecidos e, dessa forma, querem espalhar o medo e mostrar que não toleram nada”, acrescentou.
Ele ressaltou que “pessoas mais fracas”, como mulheres e aldeões, provavelmente serão forçadas a se converter ao Islã. O líder explicou que muitos cristãos estão lidando com a crise por meio da oração.
“Acreditamos em Deus”
“Como cristãos, sabemos que há perseguição, mas nós acreditamos em Deus. Todo crente de origem muçulmana, como eu que se converteu ao cristianismo, conhece as consequências da conversão. O Islã é muito claro, pois a apostasia é a morte. E não há misericórdia nessas pessoas”, revelou.
“Deus tem um propósito e um plano. Ele sabe o que é melhor para seus filhos no Afeganistão”, ressaltou.
Enquanto isso, vários grupos terroristas, alguns apoiados pela República da Turquia, aplaudiram a conquista do Afeganistão pelo Talibã. O ICC relata que alguns compararam o golpe com a queda de Mosul para o Estado Islâmico, em 2014.
Afegãos em fuga do país. (Foto: AFP)
Apoiadores do Talibã
Abu Maria al-Qahtani, um ex-policial de Mosul e ex-comandante do Jahbat al-Nusra da Síria, disse: “A vitória do Talibã é uma vitória para os muçulmanos, uma vitória para os sunitas, uma vitória para todos os oprimidos”.
Várias mesquitas na Síria celebraram depois que o Talibã adquiriu Cabul no domingo. Além disso, a Turquia estava mobilizando terroristas dentro da Síria para enviá-los para o Afeganistão.
O presidente Erdogan até tentou se comunicar com o Talibã. Na quarta-feira passada (11), ele convidou o grupo para ir à Turquia, dizendo: “Nossas instituições relevantes estão trabalhando nisso, incluindo negociações com o Talibã, e também posso receber o líder do Taleban. A Turquia não tem nada que contradiga suas crenças”.
Muitos cristãos iraquianos estão preocupados que seu próprio país possa ser vítima de uma grande crise de segurança como o Afeganistão.
Um jornalista iraquiano tuitou: “Se uma tomada de Estado semelhante acontecer no Iraque, não será pelo Estado Islâmico, mas pelo PMF (Forças de Mobilização Popular), os grupos apoiados pelo IRGC (apoiados pelo Irã) em particular, que irão derrubar o exército e aparato de segurança do Estado. Eles estão observando as ações do Talibã agora”, alertou.
Claire Evans, gerente regional do ICC, disse que os terroristas se sentem “fortalecidos” pelo sucesso do Talibã em assumir Cabul. “A atmosfera em toda a região do Oriente Médio mudou com a queda de Cabul nas mãos do Talibã”, ela observou.
“O Oriente Médio estava nos estágios de recuperação após a derrota do Estado Islâmico, uma ideologia baseada no genocídio de minorias religiosas. Esse cenário era bastante significativo para a liberdade religiosa da região”, disse.
Estamos observando a resposta do Oriente Médio de perto e com grande preocupação. Continue a orar pelo povo do Afeganistão, para que eles encontrem força, sabedoria e paz nas promessas de Deus”, pediu.
Combatentes do Talibã retomaram a capital Cabul e o controle do Afeganistão 20 anos após a invasão americana. (Foto: EFE/EPA/Stringer)
O que é o Talibã?
O Talibã é um grupo formado por ex-combatentes da resistência afegã, em 1994, conhecidos coletivamente como mujahedeen — militantes islâmicos sunitas que lutaram contra as forças invasoras soviéticas na década de 1980.
O atual líder é Mawlawi Haibatullah Akhundzada, um clérigo religioso sênior da geração fundadora do Talibã. Ele foi nomeado líder do Talibã em 2016, depois que o chefe anterior do grupo, Mullah Akhtar Mohammad Mansour, foi morto em um ataque aéreo dos EUA no Paquistão.
A intenção do Talibã é impor sua interpretação da lei islâmica e remover qualquer influência estrangeira no país. Depois que o Talibã capturou Cabul em 1996, a organização islâmica sunita estabeleceu regras rígidas.
De acordo com a sharia (lei islâmica), as mulheres devem usar coberturas da cabeça aos pés, não têm permissão para estudar ou trabalhar e são proibidas de viajar sozinhas. TV, música e feriados não islâmicos também são proibidos.
Conforme a CNN, quando tomaram o poder na década de 1990, fizeram com que o Afeganistão se transformasse em uma espécie de emirado islâmico, onde as regras seriam baseadas na leitura que o Talibã fazia do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos.
De acordo com esta leitura, as mulheres seriam impedidas de sair de casa sem a companhia de um homem, o uso da burca seria obrigatório além de serem proibidas de estudar e trabalhar.
O grupo teve uma participação direta no atentado contra as Torres Gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001. O Talibã protegeu o líder da Al-Qaeda, Osama bin-Laden, além de outros integrantes. Como consequência, as tropas americanas invadiram o Afeganistão em 2001, colocando fim ao governo extremista no país.
Isso mudou depois de 11 de setembro de 2001, quando 19 homens sequestraram quatro aviões comerciais nos Estados Unidos, lançando dois nas torres do World Trade Center, em Nova York, um no Pentágono, em Washington, e outro, também destinado a Washington, em um campo na Pensilvânia. Mais de 2.700 pessoas morreram nos ataques.O atentado foi orquestrado pelo líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, que operava de dentro do Afeganistão, país controlado pelo Talibã. Menos de um mês após o ataque, os EUA e as forças aliadas invadiram o Afeganistão, com o objetivo de impedir o Talibã de fornecer um porto seguro para a Al Qaeda, e também de a Al Qaeda usar o Afeganistão como base de operações para atividades terroristas.
Nas duas décadas desde que foi destituído do poder, o Talibã tem travado uma insurreição contra as forças aliadas e o governo afegão apoiado pelos EUA. Após muitas negociações, o governo Trump e o Talibã assinaram um acordo de paz em 2020.
Os EUA concordaram em retirar os militares e libertar cerca de cinco mil prisioneiros talibãs. Já o Talibã concordou em tomar medidas para impedir que qualquer grupo ou indivíduo, incluindo a Al Qaeda, usasse o Afeganistão para ameaçar a segurança dos EUA ou de seus aliados. Mas o acordo não trouxe paz.
Conforme um documento da ONU: “A mensagem do Talibã permanece inflexível e não mostra nenhum sinal de reduzir o nível de violência no Afeganistão para facilitar as negociações de paz com o governo e outras partes interessadas afegãs”.
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