Uma descoberta de cientistas franceses, suecos e dinamarqueses sugere que a “primeira grande pandemia” tenha ocorrido há 5 mil anos e que a cepa ancestral da bactéria “Yersinia Pestis” tenha causado um enorme número de mortes.
“Nossa pesquisa revelou o que acreditamos ter sido a primeira grande pandemia da história humana”, afirmou o biólogo Nicolás Rascovan em entrevista à BBC News, em dezembro de 2018. Rascovan é o autor principal do estudo que foi publicado na revista científica Cell. Segundo ele, a pandemia pode ter desempenhado um papel em importantes eventos históricos da época. A sugestão é que tenha ocorrido por volta de 5.700 a 5.100 anos atrás.
Conforme esses estudiosos, a época coincide com o surgimento dos primeiros assentamentos humanos considerados de grande porte, ou seja, aglomerações com até 20 mil pessoas que viviam em contato próximo com animais e, provavelmente, sob condições sanitárias precárias.
Sobre o vírus “Yersinia Pestis”
Toda doença vinda de algum animal é conhecida por “peste”. A peste que foi denominada por “Yersinia Pestis” também já foi conhecida por “Pasteurella Pestis”, nomes que lembram os autores originais da descoberta — Alexandre Yersin (1863-1943) e Louis Pasteur 1822-1895.
Louis Pasteur, um dos mais famosos químicos franceses, autor da pasteurização — processo utilizado para destruir microorganismos que podem estragar alimentos que consumimos. (Foto: Reprodução/Google)
De acordo com a história, Yersin foi um dos mais brilhantes discípulos de Pasteur e foi ele quem isolou a bactéria que acabou sendo batizada como Yersinia Pestis, em homenagem ao cientista.
Descoberto em 1894, Yersinia é um vírus que pode infectar o ser humano por meio de pulgas que vivem em animais de pequeno porte, como os ratos. O vírus assume as seguintes formas: bubônica, septicêmica e pulmonar.
O cientista suíço Alexandre Yersin (1863-1943), que descobriu o bacilo causador da peste e tem sua história contada no livro Peste e Cólera, de Patrick Deville. (Foto: Editora 34/Divulgação)
A bubônica afeta os gânglios linfáticos, presentes em todo o corpo humano e leva esse nome por provocar bubões ou bubos, isto é, inchaços infecciosos no sistema linfático, sobretudo nas regiões das axilas, virilha e pescoço.
É a mais famosa e ficou conhecida na Idade Média como a “peste negra”, ocasionando os surtos mais mortais da história da humanidade. Foi chamada de peste “negra” por causa das manchas escuras que causava na pele das pessoas.
A septicêmica ocorre quando a infecção se propaga pelo fluxo sanguíneo e pode levar à morte através da infecção do sistema circulatório.
A pulmonar pode ocorrer por consequência das duas anteriores [bubônica ou septicêmica], quando afeta a respiração e compromete os pulmões. Basicamente, a diferença entre as três é o local da infecção — gânglios, sangue ou pulmões.
Estudiosos sempre apontam que essas pestes tiveram sua origem na China e imediações, tendo sido transmitidas para a Europa através das rotas comerciais.
Pandemia e arqueologia
Os pesquisadores analisaram também bancos de dados com informações genéticas obtidas de fósseis humanos do período. E chegaram a uma mulher, que teria vivido há mais de 5 mil anos onde hoje é a Suécia. Ela morreu com 20 anos de idade, em decorrência de uma cepa ancestral da peste. Tudo indica, portanto, que esta seja a origem genética da Yersinia Pestis.
"O tipo de análise que fizemos nos permite voltar no tempo e observar como evoluiu esse patógeno que teve efeito tão grande na humanidade", comenta outro autor da pesquisa, o cientista Simon Rasmussen.
"Essa cepa nos permitiu aprender coisas interessantes sobre o início da história da peste", afirmou Rascovan. "Como foi encontrada num lugar e tempo que não se encaixava em nenhum modelo anterior do surgimento e propagação da praga, isso nos fez repensar tudo e construir um novo modelo evolutivo”, disse.
Ao descobrir que essa linhagem era a mais antiga, os cientistas deduziram que a peste provavelmente surgiu nos primeiros grandes assentamentos humanos europeus, de onde provavelmente se espalhou rapidamente por toda a Eurásia.
Eles acreditam que, a partir de agora, arqueólogos que estudam remanescentes humanos [através de vestígios ósseos arqueológicos] do período Neolítico poderão ter as atenções também voltadas para indícios da bactéria da peste. Além, é claro, de considerar o impacto destrutivo das doenças em análises das sociedades de então.
Como a humanidade primitiva conseguiu vencer a grande pandemia?
Essa é a pergunta que os cientistas se fazem quando levam em conta que a peste poderia extinguir a humanidade. "A peste é causada por uma das bactérias mais letais que já existiram para os humanos", lembrou Rasmussen.
O pesquisador acredita que a bactéria tenha evoluído de algo praticamente inofensivo para mortal, já que existe uma evolução, segundo ele, citando os casos de varíola, malária, ebola e zika. “Trata-se de um processo muito dinâmico, que continua acontecendo. Isso é muito interessante para ser estudado”, observou.
Rasmussen acredita que o achado completa o que já se sabia sobre o declínio das populações europeias no período. "Os dados se encaixam. Se a peste evoluiu nos grandes assentamentos, então, quando as pessoas começaram a morrer, os assentamentos acabaram abandonados e destruídos. Isso é exatamente o que se observa por volta de 5.500 anos atrás”, explicou.
Para ele, as pessoas começaram a migrar ao longo de todas as rotas de comércio possibilitadas pelo transporte da época, expandindo-se rapidamente em toda a Europa nesse período. O que explica o fato de a praga ter chegado ao pequeno assentamento humano na região da Suécia, onde resquícios da bactéria foram observados na tal mulher morta aos 20 anos de idade.
Opinião teológica
De acordo com o teólogo e hebraísta Luiz Sayão, a Bíblia apresenta as palavras praga, peste ou pestilência e até epidemia em alguns momentos da história do Israel antigo. “Surpreendentemente, há muito mais na Bíblia do que as chamadas pragas do Egito”, disse ao Guiame.
O pastor explica que, normalmente, a epidemia aplicava-se como forma de “juízo divino” para um povo que o desobedecia. É possível observar através das narrativas bíblicas os colapsos das civilizações e os impérios fragilizados por conta, muitas vezes, de epidemias.
“Quando observamos o que aconteceu com os filisteus, por exemplo, quando estavam com a Arca da Aliança, podemos imaginar que foi uma mini peste bubônica”, disse ao se referir ao episódio descrito no livro de 1 Samuel.
“Mas, quando a arca chegou, a mão do Senhor castigou aquela cidade, e trouxe-lhe grande pânico. Ele afligiu o povo da cidade, jovens e velhos, com uma epidemia de tumores.” (1 Samuel 5.9). Vale lembrar que depois disso, os filisteus ofereceram uma “oferta de culpa”, produzindo imagens de ouro em forma de tumores e ratos (1 Samuel 6.4).
Para muitas doenças manifestadas na pele das pessoas, a Bíblia usa termos como tumores ou lepra. O linguista esclarece que o palavreado de termos médicos era muito mais simplificado. O termo “lepra”, por exemplo, tradução da palavra original “Tsarat”, significa somente “doença de pele contagiosa”. Ele aponta para o cuidado de compreender a realidade do mundo antigo. Logo, é possível que doenças que vimos em nossos dias, possam ter assolado as nações no passado bíblico.
A ciência mais recente é que nomeia com grande variedade as doenças. “Tsarat podia ser lepra, vitiligo, psoríase, câncer de pele, entre outras doenças. No hebraico, não havia uma palavra específica para lepra”, explicou.
O professor Luiz Sayão explica que as epidemias sempre fizeram parte da história da humanidade. (Foto: Divulgação)
Sayão enfatiza também que é comum encontrar na Bíblia um cenário de pragas e pestes decorrentes das guerras. “Exércitos foram paralisados por epidemias”, citou. O teólogo se refere, principalmente, às guerras nos tempos de Davi [cerca de 3 mil anos atrás]. Mas e quanto à pandemia que os cientistas sugerem ter acontecido há 5 mil anos? Há como associar a algum tempo bíblico?
“Sobre datação, não há a mínima possibilidade disso, já que a partir do livro de Gênesis, as tentativas pouco fundamentadas de vários estudiosos estão equivocadas”, comentou e explicou o motivo. “As genealogias bíblicas são incompletas intencionalmente, o calendário utilizado pode ser distinto do nosso. Não sabemos, por exemplo, que tipo de calendário teria sido usado para contar os anos de vida dos descendentes de Adão”, especificou.
Mas, independente de associar ou não a um tempo bíblico a tal epidemia que ocorreu há 5 mil anos, conforme os cientistas sugerem, é essencial compreender que pragas, pestes e epidemias sempre fizeram parte da história da humanidade. Mais importante que a associação, no entanto, é a oportunidade de aprendizado que temos à nossa disposição, conforme o professor Luiz Sayão enfatiza.
“O cenário que nos desafia pode nos ajudar a aprender e a crescer. Não podemos sair desse momento do jeito que a gente entrou. Nesses momentos de pandemia, devemos ser solidários. Nas histórias de epidemias dos tempos antigos, muitos doentes eram expulsos de casa, mas os seguidores de Jesus pegavam os doentes na rua para cuidar deles, mesmo sabendo que podiam ser contaminados. Isso mostrava o valor que eles davam à vida humana. Que sejamos, nesse tempo, também um caminho de bênção para as pessoas”, concluiu.
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